Capítulo 3 - Compromissos

Capítulo 3 - Compromissos.

- Finalmente consegui saltar decentemente! – ainda ofegante Uranus apoiava uma das mãos no joelho, enquanto a outra fazia sinal de “ok”.

Michiru observava-a sorrindo, incrivelmente o fardo que carregava parecia menos pesado, nunca desejou tanto que chegasse o dia de treinamento. Poucos dias haviam passado e as guerreiras já combinavam estratégias, levando cuidadosamente as habilidades específicas em consideração. O relacionamento tinha melhorado e como conseqüência,  as garotas conseguem uma excelente sincronia.

- Sim, sim – ria – Conseguiu rápido... Humm...pelo menos não teremos problemas com corridas... Aliás, eu que ficarei para trás!

- Eu espero por você...finjo que torci o pé... – sorria olhando para ela.

- Mas só finja, onegai... – riu Michiru, antes de tomar um gole de água – Ah...você já está indo?

– Bom, eu preciso de um banho urgente. E depois tenho treino... Se bem que... – colocava a mão no queixo, pensativa – Ainda tenho duas horas. Michiru? – tornava a fitá-la. 

- Sim?

- Há uma cafeteria aqui perto...me faria companhia? Podíamos nos encontrar lá daqui...meia hora?

A pergunta repentina deixara a jovem por alguns segundos sem ação. Contudo, a espontaneidade era uma característica que admirava na velocista... Era o primeiro convite da parceira. 

- Claro. – sorria – Anote o endereço, estarei lá.

Interessantemente, a jovem tinha afazeres também, sua agenda indicava um compromisso em um ateliê. Aula de esculturas. Porém, tudo que a jovem conseguia fazer no momento era tentar disfarçar, enquanto a corredora anotava o endereço, em uma mistura de sensações. Estava surpresa e animada. Com o papel em mãos, Neptune despedia-se de Uranus, que acenava já longe. 

Talvez, a adrenalina do treino tivesse feito a loira esquecer do nervosismo. Só depois do banho, encarando por alguns segundos seu reflexo no espelho é que percebera a sua ousadia. Mas o convite estava de pé, cancelar agora seria incoerente e deselegante. Uranus suspirava enquanto se vestia... 

“Por que ela me deixa assim? Somos parceiras numa missão. Só. Mas ela disse no autódromo que... Maldição, aquilo foi um erro. Poderia ter interpretado errado? Confundido palavras gentis?” – questionava-se a Haruka ao trancar a porta, sem saber que a violinista também se enchia de dúvidas. Havia se declarado é verdade, mas preocupara-se com o fato de tal ação prejudicar o relacionamento que aos poucos estavam construindo. 

“Eu sei, ela não compartilha dos mesmos sentimentos, mas eu...queria... Ara, o que estou dizendo? Isto é tão...inapropriado numa situação como a nossa. Não posso perder o controle...não posso.” – Neptune tentava organizar suas idéias a caminho da cafeteria. Recusara a limousine da mansão e pegara um táxi. Não deixaria sua mãe saber que tinha faltado na aula. Hoje assinaria figurativamente sua dispensa no ateliê. 

Já no local combinado, Uranus acomodara-se numa mesa, ao fundo. Olhava distraidamente o cardápio e a qualquer som do pequeno sino instalado na porta, seus olhos moviam-se rapidamente. É, estava ansiosa e isso lhe preocupava... não era uma sensação familiar. Em um dos bolsos da calça jeans estava o número de Michiru. Deveria ligar? Preferiu esperar mais um pouco ao ver a garçonete se aproximando trazendo-lhe água com gás.

“Algo mais? Uma torta...chocolate quente...”

- Ah não, não... por enquanto está bom assim. – respondia a corredora tomando um gole da bebida e colocando em seguida o copo na mesa, sua companhia acabara de chegar. O olhar por alguns segundos perdido logo avistaram Uranus. Michiru abria um sorriso ao notá-la. 

- Desculpe, demorei não foi? – dizia Neptune acomodando-se enquanto Haruka lhe passava o cardápio, sorrindo.

- Não...cheguei há pouco. Olha, eu recomendo o chocolate quente daqui, é delicioso.

- Chocolate quente será. – sorria Neptune ao fazer o pedido a garçonete. Naqueles ínfimos instantes Haruka parava o copo perto da boca, fitando a outra jovem. Michiru usava um vestido marrom claro e tinha uma blusa branca de mangas curtas por baixo. O visual simples fora notado por Haruka. Seus olhos passeavam ora pelos cabelos bem cuidados, ora pela boca da violinista. Precisou da interrupção de Neptune para acordar do...tour.

- Haruka?

- S-Sim?

- A garçonete está perguntando se vai querer a torta do dia.

- Ah...pode ser.

- Duas, por favor. – falava a Sailor dos Mares.

- Está bom? – apontava o chocolate quente da garota.

- Está realmente uma delícia, vejo que conhece bem este lugar. 

- É um bom lugar...se bem que com companhia é bem melhor...

- Mas eu não creio que você já tenha estado sem... – ria.

- Mas tenha certeza que sua é a melhor que já tive. – sorria enquanto via Neptune corar.

- Você é muito... gentil... "Michiru, trate de controlar o que diz, senão vai levar fora de novo!" – pensava a jovem.

- Não é gentileza, só a verdade. – brincava encostando o seu copo na xícara da outra garota que tornava a sorrir.

A garçonete chega trazendo os pedidos, cortando assim o pequeno, mas incômodo silêncio que ficara entre as duas. Não porque estivessem entediadas, mas a conversa parecia momentaneamente ter tomado outro rumo, a troca de gentilezas era constante e o clima que se formara era perigosamente envolvente...

Enquanto a moça arrumava os pratos e talheres em seus devidos lugares, Haruka olhava, tentando ser o mais discreta possível a mão da outra garota, querendo tocar. Sem coragem necessária para tal, então tentava voltar à realidade, e observava Michiru comer, para descobrir se tinha aprovado suas escolhas.

- “Kami-sama, meu rosto deve estar vermelho agora." E-está muito bom... Não vai comer? – sorria sem graça, antes de dar a próxima garfada.

- A-ah eu...eu estava esperando você provar e aprovar a torta...está ao seu gosto?

- Sim...está maravilhosa – sorria. O olhar ainda que discreto da loira, estava deixando-a encabulada. Ao levar mais um pedaço à boca, seu coração palpitara, ao pensar que aquele seria seu primeiro encontro com Uranus, afinal.

Michiru iria puxar assunto quando do vidro da cafeteria, percebeu uma figura familiar aproximando-se, o responsável pelo ateliê estava prestes a entrar no estabelecimento... Possivelmente sua inocente desculpa estava com os minutos contados. Olhando discretamente para o balcão, verificando quanto tempo teria, volta sua atenção novamente para a loira. Subitamente toca na mão da jovem. Haruka arrepia-se com o contato.

- O que...houve? – perguntava a corredora surpresa.

- É que... – falava baixinho – Eu já...acabei a torta e...não gostaria de caminhar um pouco? – dizia a violinista, não se importando realmente com o sentido da sentença. Uranus estranhara por um momento o comportamento de Neptune, parecia nervosa. Entretanto, antes que pudesse formular uma conclusão sobre, resolveu aceitar o convite, afinal, ela mesma estava atrás de um pretexto. Não queria sair tão cedo do lado da bela Sailor.

- Claro, me deixe apenas pagar a conta. – dizia acenando à garçonete.

Ao notar o gesto da corredora, o homem que Michiru avistara, fitava brevemente a mesa das duas, aproximando-se devagar seguido por uma das garçonetes. A violinista, de costas deixava com pressa o dinheiro. Haruka procurava por sua carteira ainda.

“Com licença” – dizia o homem enquanto Michiru baixava a cabeça, seu plano estava a perigo.

- Sim? – perguntava a loira, deixando a gorjeta e pagamento sobre a mesa.

“Você...vai usar essa cadeira?” – indagava o homem apontando para o objeto. Michiru limitava-se a apertar sua bolsa, não podia acreditar na sua sorte. Ele não a reconhecera. – “A cafeteria está realmente cheia hoje...”

- Não, estamos de saída, pode pegar. 

Após o agradecimento do homem, a violinista pôs-se a andar rapidamente, deixando o lugar. A corredora a seguia ainda intrigada pelo comportamento da parceira. 

- Você está bem?

- Ah, sim... “Deuses, ela deve pensar que sou mentalmente instável! Não tenho desculpas pra dar!” – o silêncio não estava ajudando. Entretanto, Neptune estava com sorte naquele dia, Uranus resolvera mudar de assunto, não queria ser inconveniente.

- Você tem algum concerto essa semana?

- Humm...não. Essa semana, não...mas tenho uma apresentação marcada na semana que vem apenas... Erm... “Ótimo...agora ela vai mesmo me achar uma tola...Eu simplesmente não me lembro aonde vou tocar... aliás, a essa altura me surpreende que eu saiba meu nome... Ela me distrai tanto.”

- Será que... eu poderia ver a apresentação? – perguntava, mexendo no cabelo. Estava ruborizada.

- É claro! Eu não sabia que gostava de música clássica... Aliás, se não for incômodo me responder, o que fazia no iate naquele dia?

- Contatos profissionais. Meu treinador estava me arranjando outro patrocinador. Coisas que infelizmente tenho que fazer se quiser correr ainda.

- Há algum tempo vi um anúncio de tênis que você divulgou. 

- Era tênis? – ria – Só me pediram para tirar uma foto para uma revista adolescente, não sabia que iria para um anúncio. Eu poderia processá-los, mas me cansa pensar em advogados...

- Eu imagino se o produto fosse algo comprometedor.

- Exemplo? – arqueava uma sobrancelha, provocando a garota.

- A-ah... não sei... roupa íntima masculina? – ria.

- Nossa! Meu anúncio seria interessante, usaria em cima lingerie e embaixo... – colocava a mão no queixo, tentando imaginar. A risada de Michiru impediu, porém, que formasse uma imagem.

Haruka tinha gostado do que vira. O sorriso da violinista fizera-lhe bem, observou como em seguida passou a mão pelas mechas esverdeadas e colocou por trás da orelha. Desviou o olhar por alguns segundos, procurando o som que escutara. Uma música com notas simples denunciava a presença de um senhor com um carrinho na praça. Neptune acompanhando o olhar de Uranus viu um sorveteiro parar. Duas crianças foram ao encontro dele, ansiosas para receber o sorvete.

- Que sabor você gosta Michiru? – perguntava, tirando uma cédula da carteira.

- N-Não precisa se incomodar, Haruka...

- Não gosta de sorvete? – sorria.

- G-gosto, mas...

- Então vou ter que adivinhar o sabor... – piscava, dirigindo-se ao sorveteiro. Logo voltava trazendo o pedido.

- Pegou só pra mim? Mas...e você? 

- Eu bem que gostaria, mas vou correr hoje, não é bom comer muitos doces. – sorria passando a casquinha para a garota.

- Entendo... – provava o sorvete – Está delicioso, obrigada Haruka – sorria – Não quer provar? – oferecia, aproximando a pequena colher.

- Pergunta capciosa... – ria enquanto via a outra corar, ainda que estivesse sorrindo também – Eu aceito. Oe, você tem um...pouco de cobertura perto da boca...

- Ah... – movia sua mão para limpar, mas parava ao ver que a de Haruka delicadamente tocava seu rosto, tirando com o polegar o pouco da calda. A violinista tentava se controlar, seu rosto estava ardendo. Imaginava como devia estar corada.

- Está muito bom, Michiru... – sorri.

- Bom, então nem vou me importar de limpar sua boca que está com calda agora também... – ria.

- Fique à vontade, eu agradeço... – sorria, virando o rosto.

- Tem certeza que não tem mais? – perguntava fingindo inocência.

- Tenho sim... – ria ainda corada. Custava-lhe acreditar que Uranus estava paquerando-a.

- Hum... – a loira olhava relutante para o relógio, lembrando-se do treino que marcara. 

- Ah, você tem que ir... – fitava-a com tristeza.

- Gomen...eu tenho que treinar... “Kami-sama!! Estou atrasada quase meia hora!!” e infelizmente não é com você...mas com um homem barbudo de um metro e oitenta que grita meu sobrenome o tempo todo...meu treinador, Yoshiro.

- Ah, então você não ia querer deixá-lo esperando, não é?

- Quero sim...prefiro ficar com você... – sorri.

- Mas, nós nos veremos de novo, não é...? – perguntou Michiru hesitante.

- Lógico, prefiro mil vezes ficar com você agora do que ouvir os gritos dele...sua voz não faz mal aos meus ouvidos, Michiru – sorria – Mas infelizmente tenho que ir...bom...posso te ligar mais tarde?

- Claro... – dizia um pouco vermelha.

- Bom...então eu vou indo...até mais tarde, obrigado por me fazer companhia.

- Eu que agradeço a sua... companhia... – sorri – “Como o vento...” – olhava-a correr.

Haruka despede-se, pela primeira vez sentindo uma espécie de frustração ao deixar Michiru por causa de seu treino. Nunca tinha se atrasado, e dessa vez, custara-lhe o simples fato de olhar para seu relógio, não queria que aquele momento com Neptune acabasse. Suas prioridades estavam mudando...

 (continua)