Capítulo 23 – Uma dose de
veneno
Michiru
chegou à sala de aula em tempo de ver o professor de química sair, notavelmente
apressado. O Mugen era quase tão grande quanto o campus de uma universidade,
por isso, ver professores suados pela maratona diária podia ser comum. Para evitar
o olhar inquisitivo do homem pela sua ausência na aula, a violinista fez a sua
melhor imitação de estátua. Por sorte,
ele olhou apenas o relógio e pareceu não notar a presença dela.
Entrando
na sala, a garota evitou os olhares dos demais alunos e sentou no lugar de
sempre. Tirou seu caderno da pasta preta que carregava e o abriu na matéria de química.
Não se dando o trabalho de entender, copiou rapidamente o que estava no quadro.
A
forma mecânica enquanto escrevia as fórmulas era mais para entediar àqueles que
a observavam. Entretanto, não surtiu efeito e logo ouviu comentários. Reconheceu
uma das vozes.
“Aposto
que você-sabe-quem arrastou Tenoh-kun para alguma sala e o entreteve
por toda a aula...” – comentou Rumiko com Eri Nakamura, a voz um pouco mais
alta do que um cochicho pedia. Nakamura ainda fazia anotações em seu caderno e,
sem levantar o olhar, retrucou em tom displicente:
“Não
acho que foi isso, Rumiko-chan. Hiyama-san a chamou na diretoria mais
cedo...” – Rumiko fechou a cara e tamborilou os dedos na carteira. Esperava que
a outra concordasse com ela.
A
violinista ficou dividida entre agradecer Eri ou simplesmente mandar as duas
cuidarem das próprias vidas. Geralmente, em casos assim, a jovem conseguia
congelar o sangue por alguns segundos; assim, ele não fervia e ela não se
dispunha com quem não merecia sua atenção. Naquele dia, porém, seu nível de
paciência tinha diminuído consideravelmente.
E
Rumiko precisava saber disso.
Escolhera
um péssimo dia para fofocar.
Deixando
a caneta sobre a mesa, Michiru virou-se devagar em direção às duas garotas.
Fitou por um segundo Eri, mas foi Rumiko que ela decidiu encarar. Com um dos
braços apoiado no encosto da cadeira, a Sailor dos Mares mostrou sua melhor
expressão de falsa compaixão. Nakamura
voltou a escrever, percebendo que fosse lá o que Michiru iria dizer, não era
endereçado a ela.
-
Imagino que não deva ser fácil para você, Rumiko-chan.
– a voz baixinha da violinista ganhou um tom quase de pena.
-
O que quer dizer, Kaioh? – Rumiko cruzou os braços e se remexeu na cadeira,
obviamente desconfortável com a intimidade forçada usada pela outra. Os colegas
mais próximos que conversavam diminuíram o tom de voz, claramente curiosos com
o desenrolar do diálogo.
-
Ah, que deve consumir grande parte de sua energia e tempo observar tudo o que
faço. – a garota deu uns milésimos de segundo para a frase ser absorvida. Então
continuou. – Nem imagino como é incômodo ter uma vida vazia como a sua, sabe? Talvez você possa nos dizer como é, Rumiko-chan... Se não for pedir demais,
claro.
A
Sailor dos Mares ouviu alguns assobios e engasgos dos colegas mais próximos.
Queria muito exibir um sorriso de satisfação, mas se conteve.
A
expressão de Rumiko foi de surpresa à possessa em segundos. Nunca tinham falado
com ela daquela maneira. E na frente dos colegas. De relance, Neptune achou ter
captado um fiozinho de dor no rosto da garota, mas fez questão de ignorar. Seu
coração estava frio e ela abraçou a frieza.
A
princípio se assustou com o teor de ironia e veneno que saiu de seus lábios. Não
costumava desferir palavras tão duras aos outros, mas naquele dia fizera uma
exceção. Tratou de bloquear qualquer avaliação moral da mente.
Para
completar todo o ato de desprezo, Neptune virou-se sem ao menos lançar um olhar
para a outra garota e continuou escrevendo.
Sara
Matsuda, que, sentada na borda da carteira enquanto conversava com um colega,
arregalou os olhos. Não esperava aquela reação de Michiru.
Matsuda
deu uma espiada no centro da confusão e acompanhou em silêncio a cadeia de reações:
Neptune passou a folhear despreocupadamente seu caderno como quem lia revista
em salão de beleza. Rumiko parecia não saber como agir, e inconscientemente uma
das mãos havia amassado uma folha do caderno.
A
outra mão continuava firmemente fechada, as juntas dos dedos quase brancas.
Sara observou Rumiko tencionar um dos braços no encosto da cadeira, pretendendo
levantar. Eri, no entanto, tocou-lhe o ombro e balançou a cabeça negativamente.
A
adolescente olhou de uma para a outra e acatou o conselho silencioso de
Nakamura, mas isso não a impediu de encarar Michiru por vários segundos... Sua
mente trabalhando como nunca em busca de xingamentos.
Quando
os cochichos aumentaram, Takeo, que estava do outro lado da sala, foi em
direção do burburinho, mas logo deu meia volta quando o professor de Física, Uchida,
entrou na sala, juntamente com Haruka. Uchida fulminou a loira, que fingiu não
vê-lo e tratou de se apressar para sua carteira. Não queria começar a aula
tendo problemas. O homem começou a
apagar o conteúdo do quadro e a corredora tocou de leve o ombro de Michiru e
sussurrou:
-
Hey, perdi muita matéria em Química?
A
garota, porém, apenas deu de ombros. Haruka arqueou uma sobrancelha. Sentiu uma
pontada no coração. Pelo visto, havia uma relação a ser discutida mais tarde. Contudo,
ela sequer teve tempo de pensar direito no assunto quando ouviu um estalo alto.
Desconcertada, virou a cabeça de um lado para o outro e percebeu o professor
encarando-a, a régua ainda raspando pela superfície do quadro.
-
Quer ser o primeiro a responder as questões hoje, Tenoh? – perguntou o
professor, o rosto tomando a forma sisuda de sempre.
Haruka
soltou um suspiro e pendeu a cabeça para frente antes de responder.
-
Se eu disser que não, o senhor vai chamar outra pessoa?
-
O que você acha? – disse o homem com voz neutra enquanto batia lentamente a
régua na palma de uma das mãos.
-
Acho que vai me chamar de qualquer jeito, então vou levantar logo. – a loira esticou
as dobras da camisa, fez um rápido alongamento nos braços e pernas de maneira
notavelmente teatral e se dirigiu ao quadro. Alguns abafaram o riso e o próprio
professor pareceu se divertir com o atrevimento de Haruka; era difícil definir
o que seria uma expressão divertida no rosto costumeiramente sério de Uchida. A
velocista pegou um giz e esperou o professor ditar a questão, mas o homem
passou uma das mãos pelos cabelos grisalhos e simplesmente se sentou.
-
Hoje vamos fazer diferente. Você será meu ajudante, Tenoh. Meu ombro não está
muito bem e fica difícil escrever tantas questões. Tome, escreva essas aqui. –
Uchida deu-lhe uma folha e a adolescente pôs-se a copiar, achando a situação
estranha. Ela o olhou de soslaio e o professor realmente parecia cansado; a
corcunda mostrava-se mais proeminente que nunca e sua face estava um tanto
macilenta.
Pela
primeira vez, sentiu alguma pena de Uchida, e, pensou momentaneamente em
quantas vezes o homem havia dado aquela mesma aula. Sabia o quanto uma turma
poderia dificultar a vida de um professor, especialmente se estavam munidos de
pais de famílias consideradas intocáveis.
O Mugen era um dos poucos colégios privados, afinal.
Por
vários minutos a classe se manteve silenciosa e todos deram a impressão de que
anotavam o conteúdo. Quando Haruka terminou de copiar, o homem meneou a cabeça
no que parecia ser um agradecimento e apontou a carteira dela.
A
garota deixou o giz na borda do quadro e foi se sentar, mas antes disso notou
uma cena curiosa: Michiru estava cabisbaixa, com o queixo apoiado em uma das
mãos e alheia à cena que se seguiu com o professor. Não parecia ter anotado
nada. Rumiko, logo atrás, tinha o olhar fixo na violinista. Haruka poderia
jurar ter visto umas faíscas nos olhos da colega.
O
resto do dia transcorreu de modo tranquilo e Haruka tentou algum contato com
Michiru, porém, sem muito sucesso. O máximo que conseguira foi a violinista ter
lhe dado uma ponta de lapiseira... A loira não precisava realmente, mas omitiu tal
fato. Entretanto, o gesto foi mecânico e não trocaram olhares e nem uma só
palavra até o término das aulas.
A
corredora pensou em puxar algum assunto entre a troca de professores, mas se
conteve. O tempo era curto para uma conversa mais elaborada e certamente o
lugar não era propício. Haruka sabia o quanto Michiru detestava indiscrição, embora
isso não a impedisse de provocá-la de vez em quando. As reconciliações
costumavam começar em um cômodo do apartamento e terminar em outro...
Ou
vários.
Com
o toque característico de final de aula, as Sailors juntaram seus materiais e
colocaram em suas respectivas pastas. Haruka não parecia ter pressa, mas mudou
de ideia ao ver a rapidez de Michiru, que se adiantou até a porta sem lhe
dirigir um só olhar. A loira correu atrás dela.
Takeo,
que observava a cena com um sorriso, pressentiu uma discussão pelo caminho e
discretamente seguiu as colegas. Salivou ao pensar que poderia assistir Haruka
levando um fora da própria Michiru.
A
corredora apressou o passo e logo estava lado a lado da violinista. Notou,
contudo, que a mesma tratou de ignorá-la. A loira passou a mão pela nuca,
incomodada com a situação, estava em dúvida se começava a falar ali mesmo ou
esperava chegar ao apartamento. Resolveu aguentar mais uns segundos de silêncio
e apenas acompanhar o compasso da garota, que parecia marchar até a saída do
colégio.
Haruka
abriu a boca e fechou, sem saber direito como puxar conversa. Foi só quando
Rumiko passou por elas bufando de ódio, que a corredora murmurou em direção à
violinista.
-
O que houve com Rumiko? Ela te encarou a aula toda. Pude ouvir praticamente os
rosnados.
Mantendo
o olhar fixo no portão do Mugen, Michiru respondeu em tom sério, optando por
ignorar a piadinha na frase de Haruka:
-
Não sei, alguém esqueceu de alimentá-la hoje. Deve estar com fome.
A
resposta de Michiru fora seca, mas a corredora não pôde evitar a gargalhada.
-
Ok, ok. Não precisa me contar agora, se não quiser. – disse a loira ainda
rindo.
-
Como você é compreensiva...
-
Hey, eu já entendi que no intervalo
deixamos uma conversa pendente e...
-
Como assim “deixamos”? Quem correu
foi você. – Michiru a interrompeu, sua voz aumentando um pouco o tom. Tratou de
apressar o passo. Quis mostrar sua impaciência para uma conversa daquelas no
momento. Haruka, por sua vez, cansada de ser ignorada, segurou um dos braços de
Michiru. O toque não foi firme, mas suficiente para que a outra lhe desse
alguma atenção. O gesto, contudo, só irritou ainda mais a Sailor dos Mares.
A
alguns passos de distância, Takeo Ishikawa observava tudo com ávido interesse.
Tanto que o cumprimento dos colegas passou-lhe batido. O sorriso enviesado que
sustentava abandonou seu rosto momentaneamente quando presenciou a loira
segurar o braço da violinista. Fosse lá que conversa estivessem tendo, o garoto
não gostou do que vira. Entretanto, antes mesmo de pensar em se aproximar e
mostrar seu descontentamento, a própria Michiru lançou um olhar em direção à
Haruka. Sua reprovação era evidente e a loira soltou-lhe o braço na hora. Ishikawa
vibrou.
-
Michiru, quer fazer o favor de parar um segundo e me ouvir?
-
Não.
-
Kami-sama, você está bem difícil hoje.
-
E você bem insistente.
(continua)
:D
ResponderExcluirboa historia
ResponderExcluircria uma pag no face para divulgar tua fic
ResponderExcluirMuito obrigada pelos comentários, pessoal.
ResponderExcluirQuando ao Facebook, apesar de ser uma boa sugestão, eu não possuo conta lá. Não sou lá muito fã de redes sociais, no geral.
Obrigada, de qualquer forma. =)
Mais um capitulo esplendorosa!
ResponderExcluirQue raparigas mais nojentas não sabem meter-se na vida delas odeio gente assim!
E aquele Takeo que raiva, a Michiru é da Haruka e mais nada ele que se meta no seu lugarzinho medíocre, e que deixe as meninas em paz... se eu fosse a Haruka já o estava por no seu lugar!
Não queria nada que elas se zangassem ou pelo menos elas que voltem a fazer as pazes! elas são um casal maravilhoso um exemplo para muita gente!
Por favor Lu-chan continua estou ansiosa pelo próximo capitulo fiquei cada vez mais agarrada!
Pelo face poderia te pentelhar bastante para postar mais :D
ResponderExcluirHaruka T: Uranus está tentando seguir os conselhos de Yuko. TENTANDO.
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário.
Anônimo: Ah, mas pra isso existe a caixinha de comentários. ;)