Capítulo 22 - Confronto,
comprimidos e alguns conselhos. (parte 2)
Yuko
Kimura puxou a manga do jaleco para espiar seu relógio. Pela hora, o remédio
que dera já fizera efeito há tempos. Haruka tinha parado de fazer caretas de
dor, mas não parecia ter intenção de levantar tão cedo da cama.
-
Está melhor, Tenoh?
-
Ah, sim. – disse a garota enquanto se espreguiçava.
-
Hora de levantar, então. A próxima aula já vai começar.
-
Hã? Mas achei que seria legal lhe fazer companhia o resto do dia.
-
Que gentil e nada conveniente da sua
parte. – Yuko levantou-se e ajeitou o jaleco. Haruka assistia seus movimentos
com um sorriso. A enfermeira a ignorou. – Aqui está metade da cartela. São dois comprimidos, do mesmo tipo que lhe
dei. Tome um quando chegar em casa e beba bastante água hoje e amanhã. Vai
ajudar a limpar seu organismo. Caso ainda sinta dor, pode tomar mais um amanhã
de manhã depois do desjejum.
-
Você é a enfermeira mais legal que conheço. – a jovem levantou e pôs a cartela
dentro de um dos bolsos.
-
Obrigada. – Kimura sorriu brevemente antes de abrir a porta – E você será uma
aluna atrasada, caso não se apresse.
A
loira deu uma última olhada para a figura esguia de Kimura e emendou um sorriso
maldoso.
-
E também a mais sexy. – disse antes enquanto saía da enfermaria. Yuko soltou um
suspiro exagerado, alto o suficiente para a adolescente notar. Meneou a cabeça
negativamente e apontou um dedo firmemente para a saída.
-
Fora. Agora.
A
enfermeira fechou a porta e deu uma espiada pela janelinha de vidro. Viu a
adolescente correr para assistir a próxima aula. Ainda conseguiu ouvir um “Te devo uma, Yuko-chaaan!” da
velocista. Kimura deu uma risadinha e o ar embaçou ligeiramente o vidro. Às
vezes se perguntava por quanto tempo ainda trabalharia no Mugen Gakuen. Alguns dias eram divertidos. Outros, nem tanto. O dia
de hoje estava enquadrado na primeira categoria.
"Eu definitivamente mereço um aumento, Hiyama-san." – pensou Kimura.
[...]
Michiru
soltou a maçaneta devagar, deixando os dedos escorregarem por ela. Ficou ali,
parada na porta por alguns segundos de costas para a mãe.
“Posso sentir seus olhos
me analisando, contando mentalmente quanto tempo levarei para ceder e me virar,
perguntando o que quer. Pois bem. Vou deixar para me odiar mais tarde, então.”
-
Aconteceu algo com ele? – disse a violinista antes de virar, porém fitava o
chão. Seus olhos vagavam ora pelo tapete da sala, ora pelos lustrosos sapatos
de Atsuko.
-
Há algum lugar onde possamos conversar com mais...privacidade? – perguntou a
mulher. Dirigia-se à Michiru, mas Nobuaki logo interrompeu, se prontificando
com entusiasmo.
-
Ah, vocês podem conversar aqui mesmo. De qualquer forma eu preciso ir à sala
dos professores entregar...isso...e.... – o homem rapidamente juntou diversos
papéis e os enfiou apressadamente em uma pasta. As duas sabiam que o diretor
não tinha ideia do conteúdo dos arquivos.
Atsuko
cumprimentou o diretor brevemente com uma reverência enquanto ele atravessava a
sala em direção à porta. A mulher, então, esperou para falar, como se desse
tempo à Nobuaki se distanciar pelo corredor.
Michiru
permaneceu em pé, cabisbaixa, mas logo decidiu encarar a mulher quando esta quebrou
o silêncio.
-
Eu preferia Tomoe-san.
A
violinista franziu o cenho, confusa com a informação. Sua expressão certamente
não fora discreta, pois logo Atsuko tratou de completar:
-
Quando visitei o Mugen Gakuen pela
primeira vez, quem me deu o tour pelo
colégio foi Tomoe-san. Um homem muito
atencioso...devo dizer. Acabei conhecendo até sua filha naquela ocasião. Tomoe
Hotaru, se não me engano. – Atsuko caminhou até o sofá, onde se sentou cruzando
uma das pernas. Fitou a adolescente e fez um gesto com a mão para que a
violinista se acomodasse também. Michiru apenas balançou a cabeça, recusando o
pedido. A mulher suspirou e continuou. – Menina frágil e muito calada, ela.
Tinha a pele muito clara e suas feições eram bem delicadas...
A
garota fitou a mulher rapidamente, que parecia divagar nas próprias palavras,
como se estivesse recordando algo. Um breve sorriso clareou o rosto de sua mãe,
mas logo desapareceu.
Por
um momento, Michiru realmente quis perguntar no quê estaria pensando, mas
controlou-se. Obrigou-se. Em vez disso, indagou com impaciência:
-
Não entendo que acontece. Primeiro eu entro na diretoria e me deparo com aquela
cena dos “documentos do colégio” e depois a menção do meu pai. E então? O que
finalmente aconteceu para desperdiçar seu precioso
tempo e vir aqui?
A
voz da garota dissipou o breve transe de Atsuko, que não conteve um sorriso
diante do tom irônico usado.
-
Na verdade, gostaria de saber se estará ocupada nesse final de semana.
-
Não sei.
Atsuko
sorriu discretamente.
-
Significando que sua disponibilidade vai depender se te interessa ou não a
proposta, não é? – A violinista desviou o olhar e a mulher tornou a falar com
uma mansidão exagerada – Uma revista famosa no meio empresarial deseja fazer
uma matéria com seu pai. Querem entrevistá-lo e tirar fotos dele e
da...família.
-
Boa sorte com isso.
Michiru
viu Atsuko tamborilar impacientemente os dedos sobre a saia.
-
Como eu ia dizendo... – continuou a mulher, optando por ignorar as farpas na
resposta de Michiru – ...Essa publicação tem um enorme prestígio e conseguir
essa matéria pode ajudar seu pai a fechar um negócio que tenta há meses.
-
Diga aos jornalistas que viajei.
-
Eles sabem que você está no país.
-
Então fale que tenho um concerto.
-
Isso não será possível.
-
Por quê? Eles vão entender que eu-
-
Comuniquei à equipe de que encaixaria o compromisso em sua agenda.
Atsuko
interrompeu e assistiu a adolescente arregalar os olhos e cerrar os punhos.
-
Você...o quê?! Como pôde assumir compromissos por mim? É inacreditável que
queira me controlar depois de tudo que houve!
A
mulher olhou de esguelha para a porta, apreensiva pelo tom de voz da garota,
cada vez mais alto.
-
Não quero lhe controlar, Michiru. Achei que não se importaria em ajudar seu
pai.
A
voz mansa. De novo. Diluindo sua raiva e transformando em confusão. A garota
não entendia como a mulher podia falar daquele jeito, como se nada tivesse
ocorrido entre elas. A violinista lançou um olhar descrente e não pôde
controlar a pergunta:
-
Como...consegue?
Atsuko
arqueou uma sobrancelha e a garota continuou.
-
Agir assim. Como se fosse um dia qualquer. Uma visita qualquer. Como se não
tivesse sido você a me colocar... para fora.
Subitamente,
a mulher levantou. Andou devagar até a adolescente, que parecia extremamente
confusa. Atsuko levou uma das mãos ao laço verde do uniforme de Michiru e o
ajeitou cuidadosamente, tornando o nó mais firme. A garota apenas acompanhou o
gesto, perplexa.
O
gesto era comum quando sua mãe a visitava durante o intervalo de suas aulas de
música. Atsuko endireitava o laço e se ele estava um tanto caído, puxava-o para
cima, dando-lhe um ar quase orgulhoso. Michiru apenas observava a mãe com um
discreto sorriso. Essa ação descompromissada funcionava de maneira terapêutica.
Era bem-vinda na época. Mesmo que nunca tivesse dito em voz alta.
-
Eu e seu pai conversamos bastante nessas últimas semanas, como pode imaginar.
Na verdade... – pausou a mulher para finalmente olhar a violinista – É
interessante como há tempos não sentávamos para simplesmente conversar. – a
violinista percebeu o tom melancólico na voz da mãe.
-
Por que ele mesmo não me avisou disso? – Michiru resolvera ignorar o silêncio
incômodo que começara a se construir.
-
Ele nem tem conhecimento de que vim falar com você, Michiru. Além disso, ele
nunca te pediria isso, sabe como é orgulhoso.
A
jovem olhou de um lado para o outro, parecendo estudar suas opções. Sem dar
muito tempo para a filha, Atsuko então aproveitou para falar:
-
Por hora, gostaria que deixássemos aquele outro assunto para ser tratado depois.
Que sabe quando estivermos na sala tomando um bom chá feito por Morino-san. – disse a mulher,
acrescentando um esboço de sorriso. A garota arqueou uma sobrancelha.
-
Acho que a próxima aula já vai começar, então... – disse com voz neutra e
encaminhou-se até a porta. Mais uma vez os dedos apertaram a maçaneta e Atsuko
deteve o ímpeto de segurar um dos braços da garota. Michiru abriu a porta e
olhou com surpresa para o rosto de Nobuaki. O diretor estava parado e com um
dos braços levantados, o punho cerrado pronto para bater na porta.
-
A-Ah, perdão! – disse o homem, curvando-se levemente para o lado, o olhar focado
em outro ponto. Ela entendeu que as desculpas não eram endereçadas a ela. – Eu
só vim pegar outros documentos. Ia bater na porta, mas... – o homem deu um
sorriso constrangido para Michiru, que deu mais um passo à saída.
-
Não se preocupe, Nobuaki-san. – falou
a violinista – A conversa já terminou. Obrigada por ceder sua sala. Agora se me
dá licença... – o homenzinho dessa vez retribuiu o olhar e deu um passo para o
lado, cedendo espaço para a garota passar. Contudo, antes de sair, escutou a
voz da mãe: “Domingo, às duas horas. Katou-san
pode levá-la”.
Sem
se virar para encará-la, Michiru fez apenas uma breve reverência para o diretor
e saiu. Mais confusa que possessa.
Não gostou da sensação.
Sentir
raiva era muito mais simples.
(continua)
\o/ até q fim!111 :D
ResponderExcluire a parte 3? só em 2014?
ResponderExcluirSimplesmente amei esta muito boa!
ResponderExcluirAquela Haruka é sempre a mesma coisa a mesma galã de sempre ahahahah. Gostava imenso que este conflito entre a mãe de Michiru e ela acabasse... e que Atsuko aceitasse a sua filha e a Haruka tal como elas são!
Haruka Tenoh: Pois é. Vamos ver como as coisas se resolvem (ou não) entre Michiru e sua mãe.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário.
Ah Tenohhh, assim você me mata poxa. Cada vez melhor e deliciosos os capítulos.
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