quinta-feira, 3 de março de 2011

Capítulo 14 – A voz do outro lado da linha

Capítulo 14 – A voz do outro lado da linha.

O líquido marrom preenchia a xícara branca, emanando uma agradável e quase relaxante fragrância. Ao sorver um gole, a garota de cabelos ondulados escutou o toque da campainha. 
Ao abrir a porta, sorriu ao ver quem era.

- Bem vinda de volta, ‘Ruka.

- Arigatou. – sorria, entrando no apartamento – Está melhor? – perguntava enquanto colocava sua pasta no sofá. Ao virar-se, percebera as malas no chão.

- Ah...o motorista trouxe algumas das minhas coisas. – olhou os objetos, quase com desdém. – E...estou melhor sim. – sorriu, tranquilizando-a – Quer um pouco de chá?

- Hum...prefiro um copo de leite gelado, o dia está um pouco quente...

- Perdi muita matéria hoje? – abriu a geladeira para pegar a caixa de leite, enquanto Uranus lhe estendia o copo.

- Não exatamente... – respondia afrouxando a gravata, antes de tomar um gole da bebida.

- Como assim? Parece...chateada. Algum problema no Mugen? – aproximara-se da mesa, onde Haruka se encostara.

- Não...é só...que foi bastante chato sem você hoje... – disfarçava, para em seguida acariciar o rosto de Michiru. Não falaria da contrariedade ao sair do colégio.

- Hum...também senti sua falta... – fechava os olhos – Gosto do seu toque, ‘Ruka.

Neptune percebera que algo não muito agradável acontecera no Mugen. Suspeitas que comprovaria mais tarde, não queria estragar a paz que se formara, com a carícia de Haruka.

- Você almoçou?

- Hum...lanchei alguma coisa...

- Oe, você sabe que é importante se alimentar, Michiru...te disse ontem.

- Eu sei...mas não se preocupe... Aliás, por falar em ‘ontem’, obrigada por ter tocado pra mim, eu adorei... – Michiru abraçava-a, deixando o chá na mesa. Haruka sorria, também deixando o copo de lado. Uma das mãos tocava o queixo de Neptune, fazendo com que olhasse para ela. Inclinando-se, Uranus beijava-lhe uma das bochechas demoradamente, sentindo a outra jovem suspirar.

- Sabe... – interrompia a violinista fitando a loira – Incrivelmente não temos fotos juntas, acho que...simplesmente esquecemos de tirar...

- Hum...é verdade.

- Não teria uma câmera?

- Câmera... – olhava para o lado, pensando – Acho que tenho uma em algum lugar. Vou procurar. – dirigiu-se à sala onde se deparava novamente com as malas da jovem. – Mas primeiro vamos guardar isso. – apontava – No quarto deve ter notado um closet... Eu não uso, pode ficar com ele.

- Ah, obrigada. – sorriu – Hum, acho que alguns cosméticos não vieram... – agachava-se perto de uma das malas – Que bom que este batom veio...é da minha coleção. – pegava o objeto tirando-lhe a tampa.

- Permita-me... – dizia Haruka, sorrindo pegando o batom da mão de Michiru. Ajoelhando-se perto da garota, a loira passava delicadamente o cosmético nos lábios da jovem.

- Você é habilidosa, ‘Ruka – falava sorrindo, enquanto conferia em um pequeno espelho o resultado da maquiagem.

- Tenho decorado o contorno da sua boca, Michiru...acertaria de olhos fechados.

- Só falar não me convence. – ria enquanto Haruka tirava o espelho de sua mão e fechava os olhos.

- Bom, não se mova que eu v... – a corredora abria por alguns segundos os olhos, surpresa por ver os lábios da violinista colado nos seus. Esta acariciava a nuca da loira, subindo um pouco as mãos para os curtos cabelos da parceira.

Uranus deixava o batom cair e agora sua mão direita passeava pelos cabelos da jovem. Não demorou para que o contato fosse estendido à cintura e Neptune já se acomodara melhor, sentada no chão. Sem perder o ritmo, a violinista puxou a camisa da garota praticamente fazendo com que deitasse sobre ela. Ofegante, Uranus tratou de desfazer o nó de sua gravata enquanto Michiru desabotoava a própria blusa. Aos poucos as malas foram cobertas por peças de roupa que naquele momento, seriam tão necessárias quanto usar um pulôver no Saara ao meio-dia.

[...]

A conversa de outrora com a loira fora prazerosamente substituída por suspiros e ofegos. Ainda podia ver sua bela parceira subir beijando-lhe o ventre. A velocista sorria ao perceber que a Sailor ainda tremia pelo recente e apraz evento.

- Devia usar mais vezes batom, fica linda com ele... – Michiru ria referindo-se as marcas vermelhas do cosmético na boca da corredora. Apoiava a cabeça no braço de Uranus, sentindo que a mesma ainda tinha a respiração descompassada.

- Ora, é só você usar mais... – riu com malícia, antes de ver Neptune recuperar a pose.

- Compre seus próprios batons, engraçadinha... – dizia, puxando levemente um das bochechas de Haruka.

- Eu uso por transferência...é mais interessante.

- Hum...tenho de concordar. – abraçava-a, para depois acariciar os lábios da velocista com as pontas dos dedos.

- E-está com fome? – perguntava a loira, enrubescendo ao contato da jovem.

- Às vezes sua timidez se manifesta em ocasiões tão estranhas... – sorria, apontando as roupas sobre as malas. A corredora parecia sem graça. Tinha sentado e estava prestes a levantar quando Michiru a abraçou por trás. – Aonde pensa que vai?

- Tomar banho, antes que meu rosto estoure de tão vermelho...

- Até suas orelhas estão vermelhas... Oh, a nuca também? E aqu...

- M-Michiru! – cobrindo-se como podia, a velocista levantou-se, correndo em direção ao banheiro do quarto. A Sailor dos Mares não evitou um sorriso... Uranus realmente lhe fazia esquecer de tempos ruins.

Juntando as peças espalhadas pela sala, Neptune entrava no quarto. De posse de uma toalha de banho, encostou a cabeça na porta do banheiro e ouviu o barulho do chuveiro usado pela outra garota. Sorriu. Pretendia secretamente juntar-se à jovem, quando escutou o telefone tocar. Enrolando-se apressadamente, foi até a sala, atendendo enfim.

“Alô?”

“Só um minuto, vou transferir a ligação, senhorita.”

“Mas o q...” – a jovem olhava confusa o telefone, antes de encostá-lo novamente no ouvido.

“Alô?” – a voz firme do outro lado fizera Michiru prender a respiração.

“Pai...?” – dizia num misto de surpresa e apreensão.

“Katou talvez passe novamente aí essa semana para entregar outras coisas” – o jeito direto do pai não lhe deixara tão surpresa, era seu costume. O silêncio da jovem o fez continuar. – “Eu quero que saiba...que ainda é minha responsabilidade, Michiru...”

“É, é só isso que eu sou para o senhor, afinal.”

“Quis dizer que...ainda sou seu pai, querida. Meus sentimentos não mudaram, apesar de saber que você pode não acreditar nessas palavras.”

Ao ouvir, Neptune passou rapidamente um dos dedos nos olhos, vira o cômodo ficar turvo. Jurara não chorar mais. Promessa quebrada pelo “querida” na frase do homem.

“Parece que o senhor e a mam...e “ela” tiveram reações bem diferentes...”

“Uma atitude totalmente impensada, eu concordo...mas eu só peço que...”

“Perdoe? O senhor não faz idéia do que é ser expulso de sua própria casa.”

A garota cerrava os punhos ao se lembrar das palavras da mãe. Não esperava que seu pai entendesse, estava farta de justificar-se, principalmente quando não cometera infração alguma. O homem pausava, sentando-se novamente na grande poltrona cinza de seu escritório. Por conhecer o gênio das duas mulheres de sua vida, não ia realmente interceder por perdão.

“Na verdade, eu ia dizer para que desse tempo à situação... Está bem acomodada?”

“E bem acompanhada.”

“Fico mais tranquilo então.” – o suspiro do homem enfatizava a sinceridade do telefonema. A Sailor esboçava um sorriso e baixava sua guarda brevemente, questionando o pai.

“Por que o senhor não...ligou antes?” – falava, quase sussurrante.

“Sabemos que você não ouviria.” – parecia sorrir do outro lado da linha – “Decidi dar tempo a tudo isso, sugiro que faça o mesmo.”

“Vou tentar.”

“Que bom... Preciso ir agora, mas manterei contato, certo?”

Um inesperado alívio veio ao desligar o telefone. Provavelmente mútuo. Era um começo. Promissor por sinal. Não pensou que falaria tão cedo com o pai... A fama que o precedia na mídia não era das melhores. Considerado uma raposa impiedosa no mundo dos negócios, tornava-se muitas vezes complacente em assuntos familiares. Especialmente naqueles que envolviam sua única filha.

A violinista ainda encarava o móvel quando ouviu um familiar barulho. Ao virar-se, descobriu ser o clique de uma máquina, a loira sorria antes de bater a próxima foto...

- Ok, agora sem a toalha. – sorria, em absoluto cinismo enquanto Michiru se aproximava, rindo.

- Talvez se você não tivesse saído do banho, pudéssemos negociar isso. – mostrava um meio sorriso, para em seguida cruzar os braços.

- Vamos Michiru, não seja má...

- Má? Se o telefone não tivesse tocado nós iríamos conversar...debaixo do chuveiro. – ria.

- Ei! Só por que o telefone tocou isso não vai mais acontecer?! – a corredora segurava a máquina com as duas mãos, franzindo o cenho. A reação parecia divertir Neptune, comparando mentalmente a expressão da loira com um filhotinho abandonado de gato.

- Quem sabe... Como saí na foto?

- A toalha atrapalhou bastante a imagem...

Michiru riu.

- Ara...quer dizer que se eu tirar uma foto sua agora, a roupa vai estragar totalmente a imagem, não? – Haruka suspirava, por ver que suas palavras tinham se voltado contra ela. Michiru geralmente saía-se muito bem de suas pequenas armadilhas.

- A-ah... e quem ligou?

- Meu pai...

- Vocês brigaram...?

- Não, foi até surpreendentemente tranquila a conversa...

- Essa é uma boa notícia. – sorria.

- Sabe, eu me sinto até um pouco constrangida por ter pensado tão mal do meu pai... Eu não fazia idéia de que ele reagiria... digamos... bem a tudo isso...

- Está afirmando o quanto gosta de você, princesa...

- Sim... e eu o amo por não ter me excluído de sua vida... Queria te apresentar a ele.

- Michiru...

- Ele veria como eu escolhi bem...

- Princesa...

- E ele não é tão assustador quanto dizem...

- Ei...

- Hum?

- Deixe-o se acostumar com a situação primeiro, é tudo muito recente... – Neptune sorria ao escutar Uranus, ouvira algo parecido minutos atrás.

- Vocês se dariam bem...

- Hey, eu lembrei que preciso te informar de algo...

- De quê? – caminhava até o banheiro e a loira a seguia, encostando-se na porta. Logo dava as costas. Michiru empurrara levemente a porta, mas Uranus podia ver a toalha rosa-claro pendurada no gancho de alumínio. Sua face ganhou aos poucos rubor, ao imaginar sua violinista no banho. A contradição era até engraçada. Há pouco tinham acabado de rolar pelo chão da sala, espalhado roupas, satisfeito todo aquele desejo repentino e Haruka ainda corou. Achou-se idiota e riu se si mesma. Embora não tivesse se dado conta que contradições como essas geralmente eram perdoadas na adolescência.

- Haruka? Ainda está aí? Pode falar, estou ouvindo.

- “Concentre-se na mensagem, sua idiota. Não no barulho do chuveiro...nem em quem está debaixo dele...Quer dizer, o que ela ia pensar de mim? Nós praticamente acabamos de...” A-Ah...hoje na aula de artes a professora nos surpreendeu, contando sobre a próxima avaliação.

- Hum...e será complicada?

- Pode-se dizer que sim... faremos uma peça.

Haruka esperava um “O quê?!” da outra jovem, mas, para sua surpresa não aconteceu.

- Ouviu o que eu disse, Michiru? – dava duas rápidas batidas na porta do banheiro.

- Uma peça?

- Sim, e infelizmente não podemos substituir com provas...

- Parece interessante, ‘Ruka.

- Hã? Interessante? É tudo que não precisamos no momento!

- Haruka, onde você colocou o condicionador?

- Oe, você não me parece muito preocupada com a notícia. – a loira arqueava uma sobrancelha – Ah, está no balcão.

- Pode pegar pra mim? – Neptune havia perguntado naturalmente, mas sua parceira hesitava em entrar. Constrangia-se quando era pega de surpresa pela garota. Abrindo a porta devagar, fixava seu olhar no balcão, buscando o produto. Tendo o condicionador em mãos, a velocista arrepiava-se... Vira as formas de Neptune ainda que rapidamente, refletidas no espelho. Olhando na direção contrária, aproximava-se do box.

- A-aqui...

Uranus parecia agradecida por Neptune estar com os olhos fechados, por causa do xampu. Não tinha notado quão vermelha a corredora estava.

Já devidamente trocada, a Sailor dos Mares arrumava seus pertences no closet com ajuda da outra jovem.

- Eu ainda não acredito que tenha gostado da ideia do teatro...

- Bom, acho que será uma forma de não pensar muito em tudo que aconteceu... E já li essa obra de Shakespeare, é ótima.

- Eu não teria paciência para decorar as falas...

- É uma pena você não participar... Viola é perfeita para você. – Michiru deu uma piscadela.

- O problema é quem seria meu irmão gêmeo... não existe ninguém no Mugen tão perfeito quanto eu...

- Ora, sua convencida! – Neptune ria, jogando uma peça de roupa em Uranus.

- Uma...calc... – Michiru olhava para as mãos da corredora com espanto, tinha jogado uma de suas calcinhas.

- Me dê isso! – interrompia a violinista.

- Não... não estou a fim... – Haruka sorria maliciosamente, estendendo o braço para cima, evitando que Neptune alcançasse.

- É assim? Então vamos ver o que seu guarda-roupa tem de interessante... – sorria, caminhando até uma das gavetas do móvel. Haruka olhava espantada e logo jogava a lingerie de volta.

- Bom...vamos voltar a arrumar. – tossia, disfarçando seu nervosismo, esperava que a Sailor desistisse.

Ao remexer em mais uma mala, a velocista encontrara um álbum de fotos, ao abri-lo, vira sua amante aos dez anos com algum uniforme. Pelos outros detalhes da imagem, era a roupa padrão de uma orquestra. Estava sentada no que parecia ser um palco. Cabisbaixa, polia um violino. Haruka sorria levemente, lhe agradava descobrir mais sobre a história de Michiru. A mesma, ao notar o que a outra encontrara, chegou mais perto. Uranus talvez nunca confessasse o quanto queria aquela foto. Tinha achado Neptune extremamente fofa.

- Ah...não sabia que algumas fotos estavam na mala... Essa foi tirada no final do ensaio.

- Tão séria... quem tirou?

- Minha mãe... – desviava o olhar por alguns segundos. Gesto que não passou despercebido pela outra garota. Largando a foto no cômodo ao lado da cama, Haruka aproximava-se de Michiru, acariciando seu rosto.

- Ei...

- Não, não se preocupe...eu estou bem. – sorria, abraçando a corredora. Com a cabeça encostada no peito de Uranus, ouvia-a suspirar. Fitando-a, aos poucos seus lábios chegavam perto dos da Sailor, porém, uma familiar sensação correu por todo seu corpo. E não era nada agradável. Fechava os olhos rapidamente em arrependimento. 

- Não é possível... – dizia Uranus ao avistar sua parceira com o Aqua Mirror em mãos.

- Parece...outra possessão.

- Local...?

- Não consegui ver com clareza...mas parecia um parque.

- Hum...o inimigo parece atacar lugares mais isolados...ah, poderia ser um parque fechado?

- Conheço um que está em reforma.

- Vou cobrar o beijo. – a loira esboçava um sorriso antes de pegar a chave do carro e dirigir-se à porta. Michiru acompanhava-a com a mesma expressão, mas estava receosa. Nunca sabia o que esperar das missões, por mais que treinassem. À caminho, respirava fundo. O seu medo poderia alimentar a criatura. Não poderia morrer. Não agora. Não quando tinha o amor de certa velocista...


(continua)

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