terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Capítulo 13 – Dê-me notícias

Capítulo 13 – Dê-me notícias.

Fora tudo confuso, desgastante, mas, incrivelmente libertador. Ou pelo menos parte da experiência. Sem mais telefonemas limitados, justificativas forçadas ou encontros às escondidas. A calma viera aos poucos, com o dedilhar das notas no piano. O sono também. Naquela madrugada que parecia ser infindável, o telefone insistia em cortar o silêncio do apartamento. Três toques e uma mensagem direta e pouco demorada na secretária eletrônica...

Pela manhã, ainda se retorcendo na cama debaixo de finos lençóis, uma garota lentamente abria os olhos, esfregando-os logo em seguida para conseguir uma imagem mais nítida. Vira então, que outra jovem terminava de se trocar.

- Hey... – aproximava-se sentando na borda da cama – Bom dia, princesa – sorria. A loira até gostaria de perguntar como a outra dormira, mas seria estúpido...

- ‘Ruka...bom dia...que horas são? – sentava, ainda esfregando os olhos sonolentos.

- Não importa, descanse por hoje...não precisa ir ao Mugen – sorria levemente, enquanto ajustava a gravata do uniforme escolar.

Michiru não tinha razões para rebater. Se contradissesse Haruka, desperdiçaria seu tempo, não prestaria atenção em nenhuma das aulas.

- Seu...pai ligou... – dizia a velocista já de pé.

- Como ele conseguiu o...nem pra minha...nem ela tem o número. – desviava o olhar. Não gostara nem um pouco da notícia.

- Simplesmente, ele tem dinheiro. Conseguiria o telefone até do meu velho, Michiru.

- O que ele queria?

Neptune percebera que Uranus estava sendo cuidadosa nas palavras.

- Avisar que...ele fez um depósito na sua conta. E também, pagou adiantado a mensalidade do Mugen. Está tudo pago, até o terceiro ano.

- Só...isso? – o desapontamento era evidente no tom de voz.

- Eu acho que, pra evitar discussões ele... – era interrompida por Neptune, que a fitava.

- Não. Não justifique, Haruka...por favor...

- Foi só isso... – consentia com pesar – Deixou uma mensagem na secretária eletrônica...

- Isso é a cara dele... Tudo bem, não posso me iludir. Hora de seguir em frente...

- Comigo, é claro – dava uma piscadela, tentando brincar.

- Com você, é claro – esboçava um sorriso.

A loira antes de sair do quarto, tirava do bolso uma chave, mostrando-a a sua parceira.

- Preciso tirar uma cópia. Mas por hoje, fique com ela...assim que as aulas terminarem, venho pra cá. – jogava rapidamente o objeto para Michiru. Sorria, acenando. Entretanto, antes de sair do quarto, lamentava pela imagem que deixara, Neptune estava sentada na cama segurando a chave, perdida em seus próprios pensamentos.

[...]

“Tenoh! Tenoh Haruka! É a sua vez!”

Era a segunda vez que o professor de Educação Física gritava do outro lado da pista de corrida. Haruka despertava do transe momentâneo ao ouvir o irritante apito do professor. Fitava-o brevemente enquanto ele mostrava o cronômetro e apontava a largada. A garota tomou a conhecida posição, e esperou com impaciência o sinal do homem. Mal podia esperar para chegar ao apartamento e rever aquela com quem tinha se preocupado o dia todo.

A última aula do dia estava para começar. Uranus se esforçava para manter a concentração, mas era difícil quando se tratava de Narumi, a professora de artes. A mulher parecia empolgada para dar um aviso; com papéis em mãos esperou até que todos os alunos se acomodassem.

“Como todos sabem, nossa prova está se aproximando. Porém, recebi uma proposta muito interessante, que resolvi aceitar. A prova será substituída por uma atividade...Teatral.”

“O quê? Iremos atuar?!” – perguntava já de pé um dos alunos.

“Isso mesmo. Sente-se, não precisa de tanto alarde. Afinal, teatro também é arte, não? Alguns alunos de outra turma adaptaram um roteiro, que achei muito bem feito. Foi baseado em uma obra de Shakespeare chamada Noite de Reis, conhecem? É uma comédia romântica...”

Uranus, que rabiscava algo sem importância no caderno parava ao ouvir a notícia. Uma peça? A hora não poderia ser mais imprópria. A atividade exigia dedicação, concentração...itens que no momento, não poderiam ser cobrados de sua parceira. Ela mesma não estava em condições de atuar. Que fosse uma prova. Dez, vinte quesitos, uma ou duas páginas...

Entretanto, ao julgar a personalidade da sensei, não nutria esperanças de que voltasse atrás e desconsiderasse esta atividade. Quem raios tinha dado a idéia de uma peça?

- Sensei... – a loira levantava a mão e fitava a mulher – Quem não puder participar da peça...poderia fazer a prova?

“Aqui, todos participarão da atividade, Tenoh. Ou atuando, ou produzindo figurino, cenários... Eu não vejo razão para escolher a prova ao invés da peça. Por que você não poderia?”

- Eu...era só...uma hipótese. – resolvera se calar. Como corredora, podia apelar para o sempre útil “incompatibilidade de agenda”, mas sabia que se o fizesse, teria que apresentar documentos especificando horários, dias, além de assinaturas dos responsáveis. “Maldita burocracia”, pensava. Isso, o Mugen fazia melhor do que qualquer colégio: Cobranças.

“Antes que saiam, tenho aqui uma lista divulgando seus respectivos nomes e papéis na peça.”

- Já foi decidido? Não seria melhor sortear? – perguntava uma das garotas.

“Parte será sorteio e parte foi definida pelos autores da peça. Adaptaram alguns papéis e escolheram os alunos para interpretarem.” – respondia a professora – “E eu concordei.”

A loira sentia que a lista não lhe era favorável. Por que não sortearam todos de uma vez? Naqueles segundos que antecediam o aviso, Uranus pedia a todas as divindades, conhecidas e desconhecidas por um milagre.

Virando-se, a mulher escrevia em um papel o nome dos alunos a serem sorteados. Em seguida pediu-lhes que escolhessem um número, que correspondia ao trabalho a ser realizado. Assim, pouco a pouco as tarefas foram sendo distribuídas.

“Saito, está encarregado do cenário. Kaori, figurino. Yuna e Seiji cuidarão da iluminação. Reika ficará encarregada do cenário também. Bom, vou anotando aqui os números ao lado dos nomes, depois eu colo a lista perto do quadro para consulta.”

Enquanto a professora dizia os nomes e as respectivas responsabilidades, a velocista mordia a tampa de sua caneta, nervosa. Parando ao notar a reação das colegas a menção de um outro nome.

“Takeo...vejamos” – dizia a mulher, virando a página da lista – “Ah, aqui está. Você fará o duque Orsino.” – algumas meninas da sala suspiravam provavelmente imaginando talvez o garoto em trajes de época.

Ishikawa Takeo era um dos mais promissores jogadores de beisebol do Mugen. Alto, falante e bonito, o jovem era um adorável clichê perseguido por várias das garotas do colégio.

“Ah, e quem será meu par, sensei?” – perguntava o intérprete de Orsino. Ao ouvir a pergunta a loira fechava rapidamente os olhos, torcendo que os deuses livrassem sua violinista de ser o par do rapaz. 

“Bom, quem possui o coração de Orsino é lady Olívia, interpretada aqui por Yajima Mitsune.”

“Ufa...”  – a corredora suspirava, apoiando o queixo numa das mãos.

 “Porém, aquela que realmente o ama é Viola, papel de Kaioh Michiru.”

O quê?!”

“Ora, parece que o duque estará bem servido.” – dizia Takeo, enquanto olhava para os amigos, rindo.

Dada a notícia, a corredora fitava o rapaz. Não gostara da expressão que vira no rosto de Takeo. Parecia ter muitos planos para o ensaio e nenhum deles transparecia confiabilidade...

[...]

Kaioh Michiru acabara de sair do banho e encarava seu reflexo no grande espelho do banheiro. Sua aparência já estivera melhor. O abatimento estava evidente em sua face; e naquele dia, não estava com paciência para disfarçá-lo com truques de maquiagem. Ao vestir-se, desleixadamente, ouviu o interfone tocar. Era o porteiro dizendo que alguém procurava por ela. Ao ouvir o nome, desceu rapidamente...era o motorista da mansão Kaioh...

- Katou-san? O que houve?

“Ah, perdão por vir sem avisar, senhorita. Mas seu pai pediu que eu trouxesse alguns de seus pertences...também disse que a senhorita ainda é responsabilidade dele, então continuará pagando seus estudos e as outras atividades”.

- Diga-lhe que isso não será necessário. – fitava o motorista.

“O patrão comentou que a senhorita diria isso. E que mesmo assim manteria sua decisão...” – dizia o rapaz enquanto tirava algumas malas e entrava no prédio. Neptune por alguns segundos esquecera a angústia e sorriu discretamente. Seu pai parecia mais sensato que sua mãe... Queria encontrá-lo.

- Diga-me Katou-san...como ele está? Fale a verdade, por favor...

“B-bom, eu não falo tanto com o patrão, mas sei que quando ele descobriu que tinha partido, só voltou às três da manhã...de táxi. Parecia...”

- “Isso explica o telefonema...” – pensava – Hã? Parecia o quê?

“Realmente abatido...” – revelava o rapaz, colocando as malas no elevador – “A senhorita não vai entrar? O elevador já vai fechar...” – apontava.

- A-ah sim, sim...obrigada. Não precisa se preocupar Katou-san, eu mesma tiro as malas quando chegar ao andar. – sorria.

“Tem certeza? Se assim deseja, então eu já vou, senhorita. Tenha um bom dia...e...” – pausava, um tanto sem graça tirando o quepe azul-marinho – “Fico feliz que...esteja bem...q-quer dizer, nós, Hanako...eu...Morino-san...”

- Obrigada, isso significa muito pra mim, Katou-san... – sorria – Diga a Morino-san que as dicas de cozinha serão postas à prova.

“Ah! Direi sim, senhorita” – sorria o rapaz, curvando-se brevemente para em seguida, entrar no carro.

“Então é isso. Não tem mais volta. Mas seria ingenuidade minha achar que, conhecendo minha mãe, tudo se resolveria após uma noite de sono. Pai...queria vê-lo... Por que não ligou novamente? Mandou recados por Katou-san...mas ainda não falou comigo...” – refletia no elevador, olhando distraidamente as pequenas luzes dos andares que passava.

Chegando ao apartamento, deixara as malas na sala mesmo. Precisava de um chá. Usou o tempo do preparo para olhar o que viera nas malas. Algumas roupas, uma caixa com parte de sua coleção de cosméticos. Partituras, estojo com alguns lápis e pincéis. Viu também alguns CD’s e um pequeno álbum de fotografia. Contudo, antes que pudesse ver mais, escutou o barulho da chaleira, a água estava no ponto para o chá...

No colégio, os jovens recolhiam seus materiais. A aula terminara e a professora colocara uma lista perto do quadro.

“Confiram seus nomes e tarefas, discutiremos mais na próxima aula” – dizia a professora de artes, já saindo da sala.

- Vamos ver... Tenoh...Tenoh... – a loira passava o dedo na lista, a fim de descobrir que papel tinha sido reservado.

“Hã?! Tenoh-kun não vai participar da peça! Ficou com a sonoplastia!” – vociferava uma das meninas, enquanto Haruka a olhava com espanto. A classe realmente parecia surpresa, especialmente Takeo, que discretamente mudava sua expressão. Gostara da informação...

Silenciosa, a corredora dirige-se à porta, ainda confusa pelos acontecimentos. O alívio de não pertencer ao elenco principal foi dissipado, pois sua parceira fora selecionada para contracenar com alguém que não lhe inspirava confiança. A caminho do portão do colégio, percebera que outro estudante a seguia. Era Takeo. Séria, parou e virou-se, encarando o jovem, que sorria.

- Quer falar comigo?

“Sim, sei que é próximo de Kaioh-san... E já que ela não veio hoje, pensei se não estaria doente, ou algo assim...”

- Ela não estava se sentindo muito bem hoje... Por que pergunta?

“Bom, ela não costuma faltar as aulas, ainda mais sendo de artes. E você sabe, agora seremos parceiros no palco... não saberia dizer onde eu posso encontrá-la, Tenoh-kun? Ou o número do telefone?” – falava em tom calmo, colocando uma das mãos no bolso.

- Esse tipo de informação você deve pedir diretamente a ela. Não seria educado passar sem sua permissão. – Haruka esboçava um sorriso sarcástico, alfinetara os modos do garoto.

“Tem razão...farei isso. De qualquer forma, obrigado, Tenoh-kun...” – acenava antes de se virar, tentando não mostrar sua frustração. Sabia que Haruka não lhe daria espaço, o que não significava que não pudesse tentar novamente...

Passando por alguns bancos e árvores que adornavam o caminho até o portão, ouvia-se no Mugen burburinhos. Parte deles chegou aos ouvidos de Tenoh Haruka. Vinham detrás de árvores, esquinas de um prédio ao outro ou de bancos espalhados pelo enorme jardim... Aos pares, faziam comentários maldosos, inverdades que enchiam Uranus de ódio enquanto caminhava até a saída do colégio. Perguntava a si mesma onde estava o séquito que muitas vezes praticamente escoltava sua companheira. Amizades questionáveis.

“Deve estar em mais um concerto, por isso não veio.”

“...não é possível, esse mês ela se apresentou várias vezes!”

“Os professores sempre a protegem...”

“A família tem dinheiro, o que queria?”

“Aposto que está se exibindo em mais alguma revista.”

“Deve se achar muito importante. É por isso que não abre a boca.”

“Rainha do Gelo? É uma boa definição...”

“É anti-social.”

“Uma metida.”

O único consolo é que Neptune nunca se deixou levar por amizades como aquelas. Entretanto, isso, de forma alguma diminuía a raiva que a velocista sentia no momento. Após mais alguns comentários aleatórios sussurrados, a jovem parou.

- Calem a boca! – virava-se a loira, com os punhos cerrados – Vocês não a conhecem, não sabem absolutamente nada sobre ela!

Alguns viraram os rostos, outros, envergonhados andavam de cabeça baixa. Tinham se calado. Por hora. Uranus continuou seu trajeto, finalmente ao encontro de sua violinista. Chegando ao prédio, automaticamente procurava a chave em seu bolso. Sorria ao lembrar que tinha deixado com a garota, era uma estranha e agradável sensação saber que alguém lhe esperava.


(continua)

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