Capítulo 11 – Reencontro.
- Xeque-mate.
- Ara...isso não é justo.
Em uma tarde, as jovens enfrentavam-se no xadrez. A violinista tentava disfarçar seu aborrecimento, mas seu rosto denunciava-a, fazendo com que Haruka desse gargalhadas. Michiru era péssima perdedora. Tentando acalmar-se, tomava o resto do suco que lhe fora oferecido. Contudo, logo o colocaria no lugar quando viu a loira atender a campainha. Era um dos funcionários do prédio, que lhe entregara uma carta.
- Ora, vejam só... – sorria a loira enquanto rasgava a lateral do envelope.
Carta de uma fã. O envelope rosa dava algumas pistas de seu conteúdo, assim como o perfume que o acompanhava. Dentro, havia também uma foto da moça. Não era tão bonita, mas pouco importava, Michiru não estava de bom humor; já que não podia rasgar as fãs, pelo menos suas cartas...
- Eu espero que o lixo da cozinha não esteja cheio... – falava de modo aterrorizantemente calmo.
- Ahh, Michiru... – ria – Ela fez com tanto capricho.
- Não me importa... – cruzava os braços.
- Ué...essas meninas projetam seus sonhos em Tenoh Haruka princesa, seria um desrespeito rasgar... – brincava.
- Desrespeito é mandar fotos para uma pessoa comprometida.
- Muitas delas não sabem que sou...comprometida...aliás, nem do “A” do “comprometida!” – ria.
- Você e suas desculpas. Bem...só não se esqueça de que eu também recebo cartas, dos meus fãs.
- Ok, essas sim são um absurdo...um monte de marmanjo chorando por você.
- "Eles projetam seus sonhos em Kaioh Michiru." – retrucava.
- Eu sei muito bem o que pensam enquanto vêem suas fotos nas revistas e escrevem essas porcarias!
- Pior do que as coisas que você pensa não são...
- Mas você gosta de cada linha de meu pensamento... – a loira sorriu maliciosamente.
- E-Eu...estávamos falando das suas cartas, não estávamos? – desconversava.
"Querido Tenoh, eu acompanho sua carreira desde quando entrou para equipe de F1...eu observava como você corria com tanta...paixão...e acho que isso despertou um sentimento de..." – lia.
- Mas por que raios que você está lendo isso? – arranca a carta da mão dela – O "sentimento" que essa aí vai ter se continuar com isso, é arrependimento de ter nascido!
- Ei! Minha carta!
- Quer parar de ler essas coisas? – Michiru rasgava o envelope, jogando sem pressas os pedaços no chão.
- V-Você rasgou... – dizia abismada.
- Bingo...
- Você não tinha o direito de fazer isso!
- Kami-sama! Quer fazer o favor de responder por que lê isso? – a observava realmente enciumada.
- Você não tem coração Michiru? Se ela descobrisse o que você fez ia morrer de desgosto...
- Quanto exagero...
- E era tão jovem, e gatinha, e fã de corridas e...
- “E” tem sorte de eu ter rasgado a carta dela, porque se eu soubesse o endereço dessazinha, aí que ela ia morrer mesmo...
- Uma coisa que adoro...é que os fãs nunca terão oportunidade de vê-la com ciúmes e vermelhinha de raiva... – sorria se aproximando.
- Você brinca demais com fogo... Bom, com água, trocadilhos infames à parte... – ria deixando-se envolver num abraço.
- Não posso evitar, o vento às vezes atiça o mar, não? – a beija – Não sei se notou, mas atrás de você só há uma parede. Não vai ter escapatória sabe? – ria.
- E por acaso eu deveria querer escapar? – sorria, fechando os olhos.
- Mesmo se corresse não haveria como fugir de mim, Neptune. Nem por terra, nem por ar...talvez pela água, mas só talvez... – encosta-a na parede onde a beija mais uma vez, agora demoradamente.
- Ara...Talvez? Mas não se preocupe, eu não pretendo. – sorri.
- Princesa, afinal...quantos botões têm esta blusa?
- Que impaciência...
Fechando os olhos mais uma vez, Neptune esperava outro beijo de Uranus. Não veio. Uranus olhava fixamente o chão, parecia querer lembrar de algo. E antes que a violinista pudesse fazer ou dizer algo a expressão da loira muda. Os olhos arregalados antecipavam um evento que Neptune estava com medo de descobrir...
- Michiru!
- Que foi?!
- Esquecemos da competição!
Entreolhando-se com terror, as duas se separam, correndo agora atrás de seus uniformes. Por motivo de força maior – bem, a companhia uma da outra – tinham esquecido suas respectivas competições. O Mugen também selecionara estudantes pertencentes a outros colégios e hoje, seria o teste. Os alunos de fora que conseguissem posições proeminentes, concorriam a ótimos prêmios, inclusive uma bolsa de estudo. Felizmente, as garotas chegaram a tempo da competição. Haruka lamentara o caminho todo; não teria a oportunidade de ver sua amada de maiô: as provas seriam realizadas ao mesmo tempo...
[...]
Enquanto Neptune fazia jus ao seu codinome, Haruka se posicionava na pista, concentrando-se ao sinal da largada. Ouve o tiro. Correu como sempre, em companhia daquele que era sempre fiel. Vitoriosa ao final, era parabenizada pelos concorrentes. Um toque no seu ombro, em especial, chamou-lhe atenção.
“Parabéns...Haruka.”
“V-Você... não a reconheci...” – dizia ainda surpresa.
Nem poderia. Elza Grey estava bem diferente do que conhecera. Cabelos mais longos; ainda mais rápida e confiante. Chegara em segundo lugar, mas dessa vez não lamentava. Estava quase convencida de que não poderia derrotar... o próprio vento.
Não era a primeira disputa que travara com Haruka. Estudara no mesmo colégio da loira, antes que a mesma pedisse transferência para o Mugen; tempos que lembrava com nostalgia...
Elza Grey sempre foi uma garota falante. No colégio, era daquelas que pedia a borracha para começar uma amizade com o novato ao lado. Ou aquela que o chamava para lanchar perto no intervalo. Simples gestos que selaram vínculos com várias pessoas, dentre elas uma estudante chamada Kaioh Michiru. Talvez Grey tivesse se identificado com a moça, uma empatia com um estado conhecido. Solidão. A esportista passara momentos delicados, sem conhecer ninguém na cidade além de seus pais. Anos antes, sem muita escolha deixara a Inglaterra, seu colégio, seus amigos e boa parte dos sentimentos.
O povo e a língua local trataram de dificultar sua adaptação. Reservados, os japoneses em seu convívio falavam apenas o suficiente, rápidos e educadamente... Jurando a si mesma que iria se adequar, Grey persistiu. E veio Fumino, seguido por Taiki, Rika, e Eriko. Pessoas que Elza conseguira conquistar; nacionalidade, sotaque e modos já não importavam tanto...
Quando viu Kaioh sentada cabisbaixa desenhando, sorriu para si mesma. Era a Elza de anos atrás. Com uma diferença: a violinista poderia se considerar sortuda, Grey iria dar o primeiro passo. Sentando uma cadeira à frente, perguntou o que a Sailor desenhava, porém, olhando com mais atenção reconhecera os traços.
“Ei... é aquela garota, não é? Da turma B... como é o nome mesmo?”
“Tenoh Haruka...” – disse Michiru, sem fitar a jovem.
“Isso mesmo, você a conhece?”
“Não exatamente.”
“Gostaria?”
Michiru parava, agora encarando Elza, que sorria.
“Gostaria de conhecê-la? Eu disputei com ela algumas vezes, fiquei sempre em segundo... É vergonhoso eu sei, mas um dia eu vou superá-la. Pode me desenhar na frente dela!”
Grey ria, apontando o papel. Michiru continuava desenhando, dessa vez sorrindo de leve.
“Você vai perder o intervalo... Suas amigas devem estar esperando por você lá fora.” – disse Neptune, escutando meninas chamarem por Elza da quadra do colégio.
“Não estou perdendo, estamos conversando, não? E além disso, se quiser que eu saia, é só dizer.” – sorria.
“Não... eu não quis dizer isso, é que...”
“Relaxa, estou brincando, Michiru-san.”
O tratamento íntimo e o sorriso da amigável estrangeira desarmaram momentaneamente Neptune, que, fechando o caderno de esboços estendia a mão, cumprimentando-a.
“Prazer em conhecê-la, Grey-san.” – o sobrenome fora guardado enquanto a professora fazia a chamada.
“Elza, por favor. Eu sei que o “L” não ajuda na pronúncia, mas prefiro ser chamada pelo primeiro nome, sim?”
“Ok, Elza-san.”
“Olha... ainda está de pé o que eu disse. Se quiser conhecer essa garota que desenhou, me procure.”
“Obrigada, vou me lembrar disso...”
E naquela época, Elza Grey era o mais próximo que Michiru poderia chamar de amiga, ainda que não se permitisse ter laços mais profundos. Não ainda... não com ela...
[...]
Perto da pista de atletismo, a disputa de natação terminava: Kaioh Michiru também vencera. Ainda enxugava os cabelos, quando para seu espanto, a velocista entrava no ginásio, acompanhada. Dando uma discreta torcida na toalha, forçava um pouco os olhos a fim de averiguar se conhecia a garota. Prestando atenção ao rosto, reconhecera a amiga com um sorriso.
- Elza! Há quanto tempo! Vejo que também disputou a corrida, como foi? – perguntava animada.
“Michiru! Que bom te ver.” – sorria – “Bem, disputei sim, mas fiquei em segundo. Mas também não é justo...” – olhava para Haruka, rindo.
- Mas...você fez uma ótima prova. – Uranus dizia um tanto corada pelo elogio.
“Obrigada Haruka. A propósito, parabéns Michiru, vejo que também ganhou” – sorria, estendendo-lhe a mão.
- Ah, muito obrigada, Elza. – sorria de volta, aceitando o cumprimento.
“Bom...quer dizer que estão juntas?”
- Como assim?! – diziam as Sailors em uníssono. De fato, Elza dera ambigüidade à pergunta, propositalmente. Estava começando achar tudo muito...divertido.
“Na...classe. Vocês não estudam juntas agora?” – perguntava, segurando uma risada.
- A-Ah...sim, sim...estudamos. E-Eu vou me trocar no vestiário e já volto... – dizia Neptune ainda corada.
Discretamente os olhos da loira passeavam pelo corpo da parceira, agradecendo enfim o privilégio de vê-la com o uniforme de natação. Contudo, sua expressão logo mudaria ao notar que alguns meninos faziam o mesmo. Franzindo o cenho, amaldiçoava-os mentalmente, sabia no que estavam pensando. Elza, observadora, riu baixinho antes de falar com Uranus.
“E então Haruka, a Michiru não é...fantástica?”
- É... ela é sim. – sorria de volta. Falando de uma forma gentil que Elza não conhecia – Oe...estamos indo a uma sorveteria, não quer nos acompanhar? A entrega das medalhas será daqui a quarenta minutos, creio eu.
“Eu...não vou atrapalhar vocês duas?” – olhava momentaneamente para Michiru, já de volta, verificando se havia problema.
- Ah, de forma alguma. – Michiru respondia, animada por reencontrá-la.
Já no local, Haruka sentara ao lado de Michiru, como se acostumara, mas os olhares de Elza, que parecia se divertir com a situação a deixaram corada. Notara que parte de sua privacidade estava prestes a ser vasculhada. Grey ria.
- Q-querem que eu faça os pedidos? – falava a loira estalando os dedos.
"Por mim tudo bem..." – Grey dizia contendo um riso.
- Hai, por mim também – Michiru olhava Elza discretamente. Algo naquele sorriso era familiar... A violinista se lembrava dele... De quando Elza sabia de algo e tentava fingir que não. – E então, o que tem feito?
"Bom, treinando...estudando. Viajando à outras cidades...sabe como é... assim que o colégio descobre que você tem uma habilidade, logo pulam em cima.” – brincava – “E vocês?”
- Sim, sei como é... Bom, eu tenho participado da orquestra... consegui alguns concertos...essas coisas... Ah sim, e às vezes ainda participo de competições, como a de hoje.
“E você, Haruka?”
- “Encarando saiazinha e salto-alto, namorando Michiru, matando monstros e ganhando algumas corridas” Ah...quase o mesmo... E-eu vou pegar...os sorvetes... – dizia Haruka com um sorriso nervoso.
A reação da loira fizera Michiru pensar. Queria dizer algo para quebrar o gelo... Mas nada que não envolvesse Sailors ou a própria Uranus que lhe passava pela cabeça... Vendo Uranus sair, Elza curva-se um pouco e cobrindo parte da boca com a mão pergunta à violinista: “Ora, parece que Haruka perdeu...um pouco do medo de falar com as pessoas...Não é, Michiru?”
- C-como?
“Bom...ou talvez ainda não tivesse encontrado uma pessoa especial...” – sorria, como se soubesse de algo que Neptune não parecia querer revelar.
- "Elza sempre foi assim. Mas você sempre achou isso muito engraçado, não é, Michiru? Isso quando não eram com você as insinuações... ótimo... agora pense em algo" – Ara... as pessoas mudam com o tempo, não é? – respondeu ela, por fim.
"Claro, claro...depois do nosso último encontro também resolvi mudar. Não só o cabelo afinal... Bom, mas quem sabe eu não volte ao antigo visual?” – ria enquanto via a corredora voltar ao lugar com os pedidos.
- Aqui estão os sorvetes. Bom, tirando em segundo lugar, significa que você pode ganhar uma bolsa, não é? – perguntava à Elza enquanto sentava-se novamente.
“É verdade, mas esse não era meu interesse principal. Vim ao Mugen, porque sei que aqui se encontram alguns dos melhores atletas. E, acabei te encontrando. Uma revanche não esperada.” – sorria.
- Mas você ficará no Mugen? – perguntou Neptune.
“Provavelmente não. O ritmo desse colégio exige demais dos estudantes e consome um tempo que gostaria de focar em outras coisas. Além do quê, minhas notas não estão lá perfeitas.” – sorria, enquanto tomava mais um pouco de sorvete.
- Física? – questionava Michiru.
“Sim, é ainda meu karma...a professora também não ajuda...” – suspirava enquanto brincava com a calda do sorvete.
- Oe... pior do que nosso professor não pode ser. Eu juro que em outra encarnação cortei a cabeça dele na batalha de Sekigahara... – falava a velocista, imitando um golpe com a pequena colher.
- Agradeça por ele não ter te expulsado como fez a professora de artes... – disse Michiru dando uma risadinha.
“Nossa, e por que ela te expulsou Haruka?” – Elza parecia realmente interessada o suficiente para não notar a expressão de terror no rosto de Michiru, que sem querer, falara demais...
- Eu mandei um bilhetinho para Michiru na aula e ela viu... – falara a loira com naturalidade. Tinha sido sincera afinal... Michiru discretamente suspirava de alívio. O conteúdo do bilhete estava a salvo.
“Ah, só isso? Que professora horrível...”
- Ah... Elza, depois de amanhã iremos estudar na minha casa, se quiser nos acompanhar... Haruka é boa em Física. Poderia dar algumas dicas... “O que estou falando?! Elza não vai descansar enquanto eu não confessar que estou com Haruka! Por que raios a convidei? Minha educação deve estar no piloto automático! Mas que droga!” – mentalmente Neptune desesperava-se, entretanto, anos de prática não a deixavam mostrar... ou quase, já que derramara calda de morango em sua saia.
- Se estiver tudo bem para você, Elza... – respondia Haruka ingenuamente, completamente alheia ao estado de sua parceira.
“Baka!!”
Pensou a violinista arqueando uma sobrancelha e forçando um sorriso para Elza, esperando que os deuses interviessem naquele exato momento. Do contrário, fingiria um desmaio por excesso de açúcar na calda do sorvete. E sim, deveria ter estudado mais biologia. Ganharia credibilidade quando fosse explicar porque sofrera aquilo.
“Bom, eu aceito então” – sorria Elza, encarando por um momento Michiru, que mexia obsessivamente a colher na taça de sorvete – “Mas não vou incomodar mesmo? Quer dizer, devem estar acostumadas a estudarem sozinhas...” – disfarçava um sorriso antes de limpar a boca com o guardanapo.
- Não, você será bem vinda... "Kami-sama, o que eu fiz??"
Elza tinha razão. Estudavam sozinhas. O que poderia explicar o motivo dos cadernos de estudo das duas garotas estarem completamente limpos...
(continua)
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