quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Capítulo 19 - Novos parceiros


Capítulo 19 – Novos parceiros.

A professora Narumi dividiu a pilha de roteiros entre Haruka, Michiru e Takeo sem muita cerimônia e adentrou na sala. Ficava no térreo, era espaçosa e bastante arejada. Os cavaletes, assim como os banquinhos, haviam sido encostados num canto e o ambiente estava sem empecilhos no meio. A mulher iria começar a distribuição dos roteiros, mas os alunos estavam completamente apinhados nas janelas, muitos nas pontas dos pés observando, cochichando e de vez em quando rindo. Narumi revirou os olhos e perguntou:

- O que está havendo aí?

- Sensei Izumida está com o rosto todo inchado! Cheio de esparadrapo no nariz! – respondeu um dos alunos. – Como ele consegue respirar com aqueles curativos?

- O que aconteceu com ele, afinal? – indagou outro.

Takeo aproximou-se da janela e deu uma espiadela antes de falar.

- E eu que pensei que não era possível ficar mais feio... Aposto que vai exigir dez vezes mais no beisebol pra descontar a raiva.

Michiru trocou um olhar culposo com Haruka, que disfarçou folheando as páginas do roteiro.

- Já chega. – disse Narumi com ar entediado. Parecia indiferente ao acidente com Izumida. – Temos uma peça para discutir.

Haruka, Takeo e Michiru apressaram-se em entregar os roteiros e logo os jovens afastaram-se da janela, voltando a atenção para a mulher, que sentara em um dos banquinhos.

- Pois bem, com o texto em mãos... Rumiko, eu juro que se olhar novamente pra essa janela, vou fazê-la limpar todos os pincéis da sala sem usar as mãos.

Entre barulhinhos da turma segurando risadas e Rumiko se encolhendo, a mulher continuou:

- Agrupem-se de acordo com o definido na lista de tarefas que dei. Os personagens da peça venham até aqui. E você também, Eri, já que vai dirigir.

Logo os alunos formaram pequenos círculos na sala e puseram-se a debater sobre o que e como fariam. Uranus acompanhou Neptune com o olhar enquanto ela formava o grupo com Takeo e os outros intérpretes. Balançou a cabeça rapidamente tentando focar no próprio roteiro e foi ao encontro de Sara Matsuda, sua dupla na criação da sonoplastia.

Cabelos presos em rabo-de-cavalo, estatura média e dois hematomas na perna; as duas irmãs mais novas deixavam brinquedos e roupas espalhadas pelo chão polido da casa. Tinha os lábios finos da mãe, gerente de uma fábrica de porcelanas. Sara abriu um sorriso quando seu par aproximou-se. Gostava da corredora, mas diferente da maioria das meninas da sala, não se deslumbrou quando a colega transferiu-se para o Mugen Gakuen. Na época, levou alguns minutos para perceber que Tenoh-kun era na verdade uma garota e se surpreendeu quando o resto das garotas não se deu conta desse fato. Contudo, resolvera não partilhar a informação; que a própria velocista decidisse o que revelar.

- Hey, Matsuda-san, como está? – disse Haruka retribuindo o sorriso.

- Felizmente com mais sorte que Izumida-san, coitado. E você?

- Contente em tê-la como dupla. – respondeu a loira empolgada.

Haruka puxou dois banquinhos e fez um gesto para que a menina se sentasse. Sara aceitou antes de responder.

- Digo o mesmo, Tenoh-kun.

- Haruka.

- Ok, me chama de Sara então.

- O que houve com sua perna? – a loira apontou os hematomas.

- É um problema que tenho desde que nasci...

A corredora franziu o cenho, preocupada.

- Que...tipo de problema é, Sara-chan?

- Se chama “Irmãs Chatas”. Elas sempre deixam as meias espalhadas pela casa. O problema é quando coincide de uma estar no chão polido e eu estar com pressa para não chegar atrasada no colégio.

As duas gargalharam e a loira achou que sua dupla foi uma lufada de ar em meio a dias problemáticos.

Do outro lado da sala, os intérpretes gesticulavam com entusiasmo, em uma pré-leitura do roteiro.

“Se eles impedirem tua entrada, responde que teus pés ali criarão raízes, até que te recebam.” – leu Ishikawa.

“Mas meu senhor, se o que dizem é verdade, vossa Olívia se entregou ao sofrimento e jamais terei acesso a ela” – respondeu Michiru.

Takeo espiou a próxima fala no roteiro, mas Narumi fez um gesto parando-o.

- Ishikawa, você como Duque, gosta e confia muito em Cesário...mas não precisa tocá-lo toda vez que há diálogo entre vocês. Lembre-se, Cesário será sua Viola ao final, mas antes disso são apenas nobre e súdito.

Michiru passou a mão pela nuca com impaciência. Era a quinta vez que o garoto acariciava-lhe o ombro ou ficava por trás dela. Se as coisas continuassem assim, não precisariam de Olívia na peça; Orsino iria assumir um amor gay antes de descobrir que Cesário era uma garota.

- Ler na sala está ficando difícil com as conversas paralelas dos outros. – disse a mulher para o grupinho. – É melhor que saiam daqui, vão lá para fora perto da quadra. Izumida saiu mais cedo hoje por causa do seu estado.

A violinista revirou os olhos e colocou o roteiro debaixo do braço, pronta para sair. Tentou um contato visual com a velocista, mas esta gargalhava depois de uma boa olhada nas pernas de Matsuda. Michiru estreitou os olhos. “Excelente. Parece que a única que vê algum sentido em monogamia sou eu. Realmente esplêndido, Haruka.”

Narumi bateu palmas pedindo atenção aos demais e comunicou que estaria dando assistência na pré-leitura da peça. Sara e Haruka viraram-se e o grupo já se dirigia para a saída. Takeo saiu aos cochichos com Michiru, que pareceu não se incomodar.
Lembrando de uma conversa mais cedo, Haruka amassou algumas folhas em um movimento inconsciente. A aposta. Uma infeliz ideia que tinha sido sua e somente sua. Imaginou que a outra já estaria empenhada em provocá-la até o ponto de bater no tatame como um lutador desistente.

Analisou o que seria mais estúpido: voltar atrás ou seguir com o acordo. Desejava, e muito, provar à Michiru que não era vítima de um ciúme infantil. Queria mostrar maturidade. Empinar o nariz e olhar por cima. Mas cada vez que pensava em Takeo Ishikawa, seu sangue entrava em ponto de ebulição. 

O garoto tinha virado a palha da pipoca que gruda entre os dentes. Agravando o problema por não ter fio-dental para removê-lo de sua vida...

- Sara-chan... – disse Haruka – a sensei vai ficar de olho, quer dizer, vai supervisionar os atores nas cenas, não é? – perguntou tentando disfarçar a preocupação.

- Ah, Narumi-sensei não vai ter tempo pra isso, acho que só vai aparecer de vez em quando, se tiverem alguma dúvida. Está ajudando a outra turma do primeiro ano no festival do colégio. Eles vão fazer miniaturas de batalhas japonesas. Ouvi dizer que vão fazer até uma maquete do castelo Himeji, não é legal?

- Acho bem melhor que essa peça. Ficamos com o mais difícil. – disse em tom emburrado.

- Vamos, Haruka-kun... Não é tão ruim. Pelo menos não temos que decorar milhões de falas ou costurar os figurinos.

- "Sara, gatinha, eu preferia limpar o palco com minha língua do que ver a língua de Ishikawa serpenteando na boca de Michiru." Pode ser, mas eu acho que isso ainda vai virar uma bagunça. – disse Haruka.

- Haruka-kun, eu garanto que Eri-chan não vai deixar.

A informação de que a mulher não acompanharia os ensaios não agradou em nada Uranus. Precisava inventar algo. Qualquer coisa que justificasse sua presença lá.

- No está pensando? – Sara agitou a mão perto do rosto da loira, que piscou confusa.

- Ah...desculpe. Eu só estava pensando... nas músicas que poderíamos usar. Sugere alguma?

Sara deu uma risadinha antes de responder.

- Eu adoro Heavy Metal, de música clássica eu não entendo.

- Tudo bem, eu tenho uns cd’s em casa, posso trazer.

- Você gosta de música clássica? – a garota arregalou os olhos e a corredora fez uma careta.

- Por que o espanto? Você também não tem cara de quem põe a língua pra fora e agita os cabelos como aquele cara do Kiss.

- Eu aposto que seu gosto foi bastante influenciado por Kaioh-san, não?

- Ei, eu já gostava antes, engraçadinha.

- Bom, então fica combinado assim: Você arruma os cd’s clássicos e eu posso arranjar os outros sons e efeitos. Meu primo trabalha em uma rádio.

- Ótimo. Escuta Sara-chan... Nós da sonoplastia temos que ir a todos os ensaios?

- Não, nem todos. Acho que o pessoal deve marcar locais pra passar o texto sem tanta barulheira.

- Merda... – murmurou.

- O que disse?

- Já volto.

[...]

Perto da quadra, Narumi posicionava os alunos simulando as marcações em um palco. Mitsune Yajima, a intérprete de lady Olívia, fora advertida pelo tom de voz baixo em sua encenação.

- Yajima-san, mal dá para ouvi-la. Tente fazer como os cantores e pratique a respiração diafragmática, vai te dar potência vocal e mais fôlego.

A jovem ajeitou a postura, respirou e inspirou profundamente, então continuou:

“E qual idade e aparência dele?”

- Muito bem, Yajima. Sua vez, Hideki. Lembre-se que Malvólio é amargo e ranzinza, responda desdenhosamente.

O rapaz assentiu.

“Como uma vagem logo antes de ser ervilha, ou como uma maçã que se cozinha, ainda antes de estar pronta para comer. Assim é ele: nem tão homem nem tão menino. Tem muita boa aparência e fala de modo quase agudo. Pode-se dizer que nem bem saiu das fraldas.”

Michiru sorriu discretamente com a descrição de Cesário, mal podia acreditar que em breve vestiria roupas masculinas e colocaria um bigode ralo postiço; tudo para dar vida ao personagem. Voltou sua atenção à cena e fitou os companheiros de peça. Aparentavam real empenho em suas funções.
Um em particular despertou sua curiosidade. Takeo estava sério, de braços cruzados e olhar fixo no chão. Assemelhava-se a um jogador de xadrez, pensando dez jogadas à frente enquanto posicionava o peão no tabuleiro. Ela não sabia exatamente o porquê, mas aquilo a incomodou. Consideravelmente.

- Sua vez, Kaioh-san. – cochichou um dos alunos.

- A-ah, arigatou. “A honrada e venerável senhora dona desta casa, quem é ela?”

Mitsune postou-se na frente da violinista com ar decidido e leu sua fala, dessa vez em tom mais alto.

Narumi fez um sinal positivo para a jovem, que continuou. As duas garotas contracenavam e eram rodeadas pela mulher, que as observava sob olhar crítico, interrompendo sempre que preciso ou dando dicas à Eri Nakamura, a aluna encarregada da direção.

Com uma das mãos no queixo, Eri ouvia tudo atentamente. Perfeccionista, não tinha pudores ao passar sermão nos colegas quando julgava necessário. O que fazia oitenta por cento das vezes. Com uma prancheta e caneta em mãos, a garota já pontuava os deslizes. Iria mostrar à professora, mas essa, já estava conversando com outro aluno.

Narumi sentiu um toque no ombro e se virou. Era Haruka.

- Sensei...

- Sim?

- O que acha da trilha sonora ser ao vivo?

- Ao vivo?

- Estarei presente nos ensaios.

- Claro, você e Matsuda-san na sonoplastia.

- Pensei em algo diferente.

- Do que está falando, Tenoh?

- Estou falando que tem um pianista bem na sua frente.


(continua)

3 comentários:

  1. sua fic é simplesmente incrivel... haruka e michiru forma um casal lindo e perfeito. estou esperando o proximo cap!!!!!

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  2. sua fic é simplesmente incrivel... haruka e michiru forma um casal lindo e perfeito. estou esperando o proximo cap!!!!!

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  3. Muito obrigada! Bom saber que está gostando da história.

    Abraços.
    =)

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