domingo, 10 de abril de 2011

Capítulo 17 - Resolução

Capítulo 17 – Resolução.

Uma gota caiu novamente dos cabelos dela, formando círculos progressivos na água parada da banheira. Encarava suas mãos, dedos finos e agora enrugados pelo tempo que ficara com eles submersos. Estava sentada, imóvel, com a cabeça pendida. Seu reflexo aparecia e desaparecia nos intervalos em que a gotícula deslizava pela mecha loira e caía. Nem imaginava quanto tempo estava lá. Planejara simplesmente comer algo e correr por uma hora. Talvez uma hora e meia. Depois tomar um banho. Mas sua indisposição só deixou-a cumprir a última ação listada.

Passou a mão pelos cabelos molhados, irritada por um motivo há horas esquecido. Lembrou de Takeo, que encontrara mais cedo e suspirou; não era isso. Não era por ele.
Antes fosse.

“Polícia enfrenta pressão da família Kaida, inconformada com as inconclusivas declarações do chefe...”

Sentiu uma pancada no estômago e seu corpo parecia ter virado chumbo. Precisava fazer isso. Precisava de resolução. Para tanto precisava levantar... mas tudo lhe doía.

Mandando ao inferno sua morosidade, enxugou-se, vestiu-se e minutos depois encontrou outra jovem lendo um livro no sofá da sala.

- Vou correr um pouco.

Mentira Haruka, contudo se reprovaria mais tarde por isso. Michiru observou-a brevemente por cima do livro.

- Hai. – respondeu antes de continuar sua leitura.

A loira pegou a chave do carro na cômoda próxima da porta e enfiou num dos bolsos. Entretanto, a voz da violinista a fez parar quando já ia girar a maçaneta da porta.

- Cemitério Kobayashi... – disse Michiru brandamente.

Haruka não saberia dizer se fora um sexto sentido excepcional ou um palpite realmente inspirado. O fato é que sua expressão denunciara que a outra tinha acertado.

- É óbvio assim?

- Pra mim, talvez.

- Eu não demoro.

- Não precisa prometer nada.

E Uranus partiu. Vagou de carro por trinta minutos e encontrou uma pequena floricultura imprensada entre duas butiques. Uma senhora – em seus sessenta e sete anos – baixinha e magra estava compenetrada finalizando uma belíssima ikebana quando a loira adentrou a loja, fazendo o pequeno sino da porta tilintar.

- Bem-vindo! Posso ajudar? – disse a mulher com um largo sorriso, largando a tesoura no balcão.

- Ah... eu queria um arranjo simples, algo bonito e discreto. Esse que a senhora fez me parece bom... – disse a loira tocando levemente nos galhinhos da peça. – Está à venda?

- Sim, claro. – respondeu a mulher simpaticamente. – Então, quem voltou de viagem?

- Como? Não entendi.

- Esse arranjo é de boas-vindas, ainda vou acrescentar a plaquinha.

- Ah, entendo... Mas não é essa a ocasião.

- Oh... desculpe. Seria para a namorada? Tenho vários aqui e-

- N-Não... – interrompeu a loira sentindo as bochechas corarem.

- Para um amigo?

A velocista pôs um das mãos no queixo, em ponderação, para em seguida concluir com mais segurança.

- Seria mais...um pedido de perdão.

No apartamento que dividia com a outra guerreira, Michiru Kaioh parara sua leitura. Passou os olhos três vezes pela mesma linha e não absorvera nada. Pulou um parágrafo, colocou o marca páginas sobre a folha e fechou o livro.

Deveria ter ido com ela. Embora eu soubesse que se faria de forte, para não me preocupar. Bom, há também aquele orgulho quase inquebrável, aquela pose de Cavaleiro Solitário, mas não acho que esse seja o caso realmente... Será que dá tempo pegar um táxi e encontrá-la?
Acalme-se, sua idiota.
Talvez ela tenha que passar por isso sozinha... vai fortalecê-la. É... creio que sim.
Eu só queria segurar a mão dela na hora... porque ninguém segurou a minha quando estive do outro lado...
Pensando bem, eu desejei que não vissem meu rosto cheio de culpa naquele dia. Haruka... espero que perceba que a palavra aqui não é insensibilidade. Não mesmo.
Nesse momento, estou aqui, olhando Tóquio da varanda, fazendo um esforço titânico para não abraçá-la enquanto olha a lápide.
Compre flores, ele vai gostar...

O vaso era preto e comprido. A loira entrou no carro e o posicionou cuidadosamente no banco do passageiro. Antes de colocar a chave na ignição, fitou mais uma vez o objeto e pareceu-lhe que sua dúvida em prosseguir era desonrosa.

“Que bela guerreira, não?”

Vinte minutos depois a loira estava no Kobayashi. Andou entre árvores e lápides de granito, algumas notavelmente mais simplórias, cobertas com uma espécie de limo tornando o granito esverdeado. A corredora suspirou. Uma lanterna em mãos tornaria a procura mais rápida. Contudo, a mudança do vento trouxe um agradável cheiro de alfazema, que lhe preencheu os sentidos. Guiando-se pela fragrância, chegou a uma lápide mais elaborada, mas o granito enegrecido e a pobre iluminação do lugar dificultavam-lhe a leitura dos ideogramas nas colunas. Sobre uma pedra polida ao chão, viu dois incensórios e um belo arranjo de flores.
Curvando-se, tocou na lápide com a ponta dos dedos, sentindo os símbolos numa leitura táctil improvisada. Dedilhando o final da coluna, sentiu o corpo tremer.

“Kaida. Ryuichi Kaida.”

Reparando melhor, as rochas que compunham o túmulo não estavam desgastadas e os incensos queimavam ainda nas pontas. Provavelmente um familiar estivera ali há poucas horas. Uranus olhou em volta e era a única lá. Agradeceu mentalmente. Agachou-se para depositar o vasinho preto, no qual flores pequenas de jacinto roxo saíam dele, num contraste premeditado e cuidadoso da senhora florista.

Haruka olhou de perto as outras flores deixadas e inspirou profundamente o aroma do incenso.
Foi aí que aconteceu.

Imagens borradas, turvas, dançaram na sua frente. O contorno da lápide ficou ondulado e um líquido escorria pelo seu rosto. As bochechas identificaram como quente, sua boca como salgado. As lágrimas simplesmente caíam e a loira levou uma das mãos aos olhos, numa tentativa frustrada de pará-las.
Uma brisa veio em seu socorro e agitou seus cabelos. Um afago talvez...

A garota então se levantou, secou as lágrimas e pensou que essa era a última oportunidade de velar alguém que já partiu. A incerteza de que aquele seria o último a ter a juventude interrompida, pareceu acomodar-se dentro de si.

Só que para fazer uma nova vítima, o Mal precisaria passar por ela. Por elas. Por um escudo invisível, composto por tudo aquilo que um defensor acredita. Chamassem de brio, honra ou qualquer frase feita vociferada por Paladinos lendários. No fim, só palavras. Todavia, a vontade de praticá-las... fazia toda e necessária diferença...
Era tolice denominar-se guerreira se não podia suportar o que acabara de vivenciar.
Fez-se de forte. E creu nisso.
Que viessem as sombras.
Estava esperando.

“Obrigado, Neptune.”

(continua)

2 comentários:

  1. Lúuuuuu
    sua diva de letras e cores
    Adorei esse capítulo
    Uma hora tu maltrata a Haruka rs, e na outra a faz masi sensível e doce, porém longe dos olhos da Michi só para mater a boa imagem de durona
    beijos linda

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  2. Estou anciosa para ler o próximo capitulo estou a adorar.

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