sábado, 19 de fevereiro de 2011

Capítulo 12 – Okaeri

Capítulo 12 – Okaeri.

Duas garotas e um rapaz. Um belo rapaz, aliás. Percebera rapidamente uma das empregadas da mansão Kaioh, ao levar três chás e biscoitos ao quarto de Michiru. Não era comum a violinista trazer amigos. Sempre fora assim. Reservada e silenciosa. Aos quatro se comportava como se tivesse dez. Aos dez, como dezesseis. Numa progressão aritmética copiosamente ensinada pela mãe.

Seja madura. Não grite. Não corra. Nunca fale de boca cheia. Guardanapo, no colo. Ao limpar a boca, dobre-o para não mostrar manchas. Conversa tediosa, sorria e opine mesmo assim. Se bocejar, cubra discretamente a boca com a mão. Se bocejar outra vez, peça licença aos convidados: irá ao toilet, nunca lavar parte do rosto para espantar o sono. Fale baixo. Ria baixo. Tente não questionar...

Monotonia detectada? Certamente. Qualquer um ficaria entediado. Mas Kaioh Michiru aprendera tudo. Pôs em prática quase tudo. Sua relação com a loira ia de encontro ao que lhe fora ensinado. Percebera que a moral da família em muito diferia com a qual estava descobrindo ser...a sua verdade. Era sua vida afinal. Não ia deixar que a pouca experiência que tinha se transformasse em brecha para discursos tradicionalistas. Odiava-os: os discursos e por vezes os discursistas...

Contudo, naquele quarto imenso, procurava por um momento parecer despreocupada. Agir normal. Ou fingir naturalidade. Queria ser apenas uma adolescente preocupada unicamente com questões de Física...

- Kami-sama Haruka, você não está inventando frases com as fórmulas, está? – perguntava Neptune puxando uma das bochechas da velocista.

- Claro que não! Ai! – tentava cobrir a folha do caderno.

“O que ela escreveu Michiru?” – perguntava Elza aproximando-se da Sailor dos Mares.

- “Morra Uchida Violentamente” – dizia balançando negativamente a cabeça enquanto Elza ria.

- Admita...é muito mais fácil do que decorar Movimento Uniformemente Variado. – dizia a loira com um meio sorriso.

“Tudo bem Michiru, talvez eu aprenda alguma coisa decorando...isso.” – ria enquanto destacava uma folha do seu caderno, para Haruka copiar seu “método de ensino”.

- Claro claro... só tome cuidado para não ser expulsa da classe...decorando fórmulas disfarçadas de ameaças aos professores. – ria fitando sua parceira.

- Oe...isso me faz lembrar que preciso bolar uma frase envolvendo aquela professora também... – comentava seriamente, em seguida suspirava. Elza e Michiru riam. Desde quando se tornara motivo de piada? – Maldição...

“Ah, Michiru, conseguiu convencer Haruka a posar?” – sorria, olhando naturalmente a Sailor dos Mares.

- Com os argumentos certos...vou conseguir. – sorria.

- E-E...aqui você tem que multiplicar Elza. – desconversava a velocista ruborizada, apontando a questão que explicara.

“Ei, para um desenho com modelo vivo, é melhor que o mesmo esteja sem roupas, não é Michiru?”

- N-Não necessariamente...

Era a sétima do dia. Insinuações que faziam a loira implorar por um estado de coma. Se não conhecesse Michiru, diria até que tudo não passava de um plano com Elza para constrangê-la. Contudo, sabia que a Sailor dos Mares não gostava de expor sua vida... ao menos torcia para que estivesse certa.

“Haruka, é a segunda ponta que quebra, algo te preocupa?” – apontava Elza para a lapiseira.

- Menos conversa e mais concentração, Elza... – dizia Uranus – Tome, resolva essa questão.

“Ah, que má... Não vai nem dar uma dica de como eu começo?”

- Não.

“Michiru, ela é má assim com você também?”

- Bom, depende da ocasi...

- Use a segunda fórmula da página anterior, Elza... – suspirava. Michiru não estava colaborando. – “Magnífico...”

Duas batidas na porta. Michiru reconhecera a voz do outro lado; pediu que entrasse.

“Srta. Michiru, seu pai chegou, está na biblioteca.” – avisara uma das empregadas adentrando rapidamente no quarto, enquanto recolhia a bandeja com pratos e xícaras.

- Ah, obrigada...pode dizer que já estou descendo?

“Certamente, senhorita.”

- Antes, diga ao cozinheiro ou à cozinheira que os biscoitos estavam ótimos. – piscava Haruka à moça que corava brevemente.

“A-ah, direi sim, Sr.” – sorria dirigindo-se a porta.

Por um momento, a violinista sentira seu rosto queimar. O comentário de sua parceira fora doce demais. No entanto, desistira de fulminá-la com o olhar quando percebeu que Elza gargalhava e Haruka, sem graça, retomava sua atenção ao livro de física. Michiru agora, sorria.

- Do que estão rindo afinal? – perguntava a loira.

“A-ah, direi sim, Sr.” – retrucava Elza.

- Ara...foi engraçado, não se chateie...

- Pelo visto terei de andar com o sutiã por cima da blusa... – dizia apoiando o queixo numa das mãos. Baixava a cabeça, irritada, enquanto ouvia mais risadas.

Ao descer, Michiru suspirou, lembrando que sua mãe saíra naquela tarde. Almoço com amigas. Talvez combinassem preparativos para mais um jantar na mansão. Seria precipitado julgar a intenção de sua mãe? Vê-los como duvidosos? Talvez. A jovem não saberia definir ao certo se o altruísmo por trás de cada jantar beneficente estava sendo lembrado.

- Pai...? – abria a porta da biblioteca devagar.

Estava tirando papéis de sua valise. Ligara o laptop para conferir informações habituais do ofício, alguns cliques depois, fitou a garota pedindo que entrasse.

- A Kanako disse que...o senhor me chamou.

“Sim.” – sorria levemente – “Eu gostaria de conhecer o moço que está lá em cima, sim?”

- Que...moço? A-ah! A Haruka... – Michiru não poderia estar mais constrangida naquele momento – Kanako se enganou, pai... bom, e ela no momento está ensinando outra amiga minha.

“Ah, entendo... Você realmente não costuma trazer rapazes...além daqueles que sua mãe empurra nos jantares... Por sinal, onde ela está?”

- Acredito que preparando mais um jantar... – suspirava.

“Sabe que...eu nunca entendi o que se passa nesses jantares? Eu só cumpro meu papel de apertar mãos e ficar acordado até todos saírem...” – ria.

- Meu papel é parecido. – Michiru deu uma risadinha – Pai...se me der licença, eu preciso subir, as meninas me aguardam...

“Claro. Mas...Michiru...”

- Sim?

“Você sabe que...trazendo sua amiga até aqui...sua mãe provavelmente irá interrogá-la, não é? Aliás...deixe-me perguntar, foi com ela que você viajou outro dia?”

- Pai...eu... como você sabe? – tentava fitá-lo, mas seus olhos viajavam pelos livros da biblioteca, enquanto formulava uma explicação. Seu pai suspirava. Desconfiava? Não, não parecia...

“Posso não ser tão presente, querida, mas ultimamente notei que anda mais...empolgada com viagens. Além disso, você também não costuma trazer seus amigos, então...”
- Isso...vai me render uma bronca?

“Desde que cumpra suas obrigações escolares, não vejo tanto problema. Note que eu deixei a frase “condicionada”, sou um pai afinal” – falava sério, antes de olhar a tela do laptop deixando escapar um leve sorriso.

- Oh, está bem. – ria Neptune. Seu pai estava a apoiando mesmo? Quem sabe ele não falaria com sua mãe também e... Parava lembrando do rosto dela. Era deixar levar-se por uma utopia. Ela nunca aceitaria. Conhecia-a. De fato, isto era o pior. Sabia o que viria: discursos, o nome da família sendo pronunciado incontavelmente, drama, ironia e, novamente o nome da família. Talvez, nem seu pai pudesse evitar o iminente caos. Quase nunca estava em casa afinal...

“Michiru?”

- Sim?

“Peça desculpa a sua mãe, não poderei jantar com vocês hoje, tenho reunião. Aliás...já estou indo, não gosto de me atrasar.”

- Tudo bem...boa reunião – sorria – E...pai?

“Diga...” – dizia sem fitá-la, arrumando os documentos na sua valise.

- Arigatou. – sorria. Seu pai parecia acenava brevemente antes da garota fechar a porta. Parecia não ter entendido muito bem o agradecimento. Mas para Michiru, aquela conversa, aquela breve intimidade, interessantemente tinha lhe dado uma espécie de confiança. Ou reforçar a que fingia já possuir, para enfrentar o que estava por vir. Subira as escadas sorrindo.

[...]

“Mas a Michiru está realmente mudada Haruka...nunca a vi tão feliz.” – A velocista sorria discretamente, Grey não sabia o quanto aquelas palavras fizeram bem à loira.

- Falavam de mim? – entrava Neptune sorridente no quarto.

“Claro que sim, Haruka estava me contando de quem você gosta...” – provocava Elza fitando a loira, que arregalava os olhos.

- Oe! É mentira!

- Sei sei...terei que contar seus segredos agora, Haruka... – disfarçava um sorriso.

- Mas ela inventou tudo, desminta Elza! – passava a mão pelo rosto, cansada de ser alvo de piadas. Lembraria de nunca mais ensinar física à Elza...

- Ara...não aborreça a pobre Haruka, Elza... – ria – Bom, vim fazer um convite, o que acha de jantarmos fora? Já está quase na hora e acho que minha mãe trará convidados... Seria muito...enfadonho, acreditem.

“Tudo bem por mim.”

Depois de Uranus concordar, as três desciam a longa escada. Subitamente, Michiru parava. Um dos empregados abria a porta e saudava alguém. Sua mãe havia chegado...

“Coloque minha bolsa na biblioteca, sim? Vou dar alguns telefonemas...” – dirigia-se à empregada, notando em seguida a presença da filha, ainda nas escadas – “Oh querida, vejo que temos visitas hoje...ótimo, jantarão conosco.” – sorria e olhava rapidamente para Haruka que amarrava despreocupadamente um dos cadarços. Seria um jantar...interessante.

“Onde está seu pai?”

Perguntava a mulher aproximando-se da escada. Por um momento questionava se a decisão da filha em convidar Uranus foi pura inocência ou provocação. No momento, tentava acreditar na primeira alternativa.

- Em mais uma reunião...e ele avisou que não poderá comparecer ao jantar que a senhora planejou... – terminava de descer as escadas com pressa, não iria deixá-la impedir – E mãe, nós estamos de saída também, vamos jantar fora...

“Meu bem, o jantar aqui não demorará a sair, aliás, creio que a mesa já está posta. Não aceitarei um “não” como resposta...obviamente suas amigas estão convidadas.” – sorria, apontando o outro cômodo, a sala de jantar.

- Mãe, não será neces... – era interrompida pela mãe, que perguntava.

“É Grey não é? Lembro que há algum tempo nos visitou...e a senhorita também...Tenoh, estou certa?”

- Sim senhora. – Uranus tentava falar pouco e rapidamente...não queria permanecer ali...estava com péssima sensação. O incessante olhar da mulher sobre ela não ajudara. Virara-se por um momento, outro empregado aparecera, avisando que o jantar estava pronto.

“Não sejam estraga-prazeres... vamos logo ou vai esfriar” – dizia a mulher mostrando-lhes a sala.

Um grande lustre iluminava o local, no lado esquerdo, uma prateleira continha fotos de uma Michiru ainda pequenina. Vestidos brancos, laços azuis, poses contidas e um sorriso tímido se via nos porta-retratos. Discretamente, a loira fitava cada imagem, sorrindo...nunca tinha visto fotos da sua violinista ainda criança. Seus olhos deixavam a prateleira para se concentrar na imponente mesa de jantar.

A toalha de cor vinho combinava perfeitamente com o estofado das cadeiras. Essas eram adornadas por filetes dourados nas laterais. O breve silêncio que se formara era quebrado pela voz da mãe de Michiru que dizia: “Sentem-se, por favor”.

Na mesa onde estavam reunidas, havia doze lugares. Era insuficiente. Quatro pessoas. Pouco espaço. A conta não era ilógica, o clima durante o jantar era indigesto. A pressão exercida pela mãe de Neptune comprimia aquela mesa o suficiente para ouvir respirações espaçadas entre perguntas e respostas.

“Diga-me, Tenoh-san, é moda entre as garotas usar roupas masculinas agora?” – perguntava-lhe sorrindo a Sra. Kaioh, fingindo uma inocente curiosidade que Michiru percebera ser falsa.

- O conceito de masculino ou feminino, é um tanto ultrapassado se me permite dizer senhora Kaioh. Eu prefiro chamar de... “Unissex-Esporte-Casual”. Não precisa decorar isso, eu acabei de inventar. – sorria em mais uma tentativa de encerrar o assunto. Fora simpática, mas sua cota estava se esgotando. Queria poupar sua parceira de qualquer constrangimento. Amava-a o suficiente para dobrar sua língua.

- Mamãe... – dizia Neptune ponderando suas palavras – Desde quando se interessa pela moda jovem?

“Ora querida, apenas fiquei intrigada pelo visual moderno da sua...amiga – sorria antes de dar a próxima garfada.

“Ah...” – interrompia Elza tentando suavizar a conversa – “Mas de qualquer  forma Haruka tem muitos admiradores.” – tratou de reforçar o “E” da palavra, substituindo assim pelos inúmeros “As” que expressavam suas fãs.

“Ora, ora Tenoh-san, você foi modesta, escondendo que faz sucesso entre os rapazes...”

- É que nem eu sabia de tal sucesso Kaioh-san. – ria, olhando brevemente Michiru, que apertava cada vez mais sua taça. A conversa estava indo longe demais.

“Eu soube que...se diverte pilotando carros de Fórmula 1, estou certa? – a mulher fitava a velocista por um momento.

- Hobby que transformarei em profissão. – sentira a alfinetada. Não doera, mas estava controlando sua vontade de levantar e simplesmente deixar aquela casa. Se uma das moradoras não fosse sua bela violinista.

“Ah, Haruka...pare com isso, você é semi-profissional. Mônaco a tratou como tal, não? Disputou com veteranos.” – comentava Elza.

Por um segundo Neptune perdera o fôlego. Ironicamente, sensação incomum. Não demoraria até que a senhora Kaioh somasse dois mais dois e que a conclusão não lhe agradasse em nada. A violinista mentira sobre a última viagem, na verdade, sobre quem a acompanharia. Uma Michiru aflita sorvia um gole de água.
“Mônaco? Que interessante...Michiru também esteve lá há pouco tempo...para um...concerto...Não se encontraram lá Tenoh-san? – questionava a Sra. Kaioh, tecendo comentários que objetivavam a contradição das garotas. Michiru não sairia naquela noite sem lhe dar explicações.

“Minha nossa...olhe a hora, eu disse aos meus pais que voltaria ainda de tarde. Acabei jantando aqui...tenho que ir... Amanhã vou viajar.” – dizia Elza à senhora. Kaioh. Notara que havia falado demais. Michiru aproveitava a breve distração da mãe para fitar Haruka. Seus olhos diziam para acompanhar Elza. A loira hesitava deixar a garota sozinha, a situação era péssima, mas a Sailor dos Mares insistia. Resolvera então, acatar o pedido.

- Eu também estou indo, senhora. Acordarei cedo amanhã...treinamento. Obrigado pelo...jantar, estava...delicioso. – levantava-se Uranus. A mãe de Michiru limitava-se a sorrir. Em seguida pedia à filha que acompanhasse as duas jovens até a porta. Michiru obedecera. Questionava-se até quando repetiria a ação.

“Bom, eu tenho que ir Michiru. Foi muito bom ter encontrado vocês assim...amigas.” – sorria Grey – “E...me desculpe, acho que falei demais no jantar, sinto muito...”

- Não se preocupe, minha mãe é que adora colocar os outros em situações difíceis... Ah, e pra onde você vai amanhã?

“Okinawa. Na verdade não só eu, mais duas colegas corredoras vão comigo. Iremos disputar lá depois de amanhã.”

- Boa corrida e foi bom revê-la, Elza.

“Obrigada, igualmente... E Haruka, valeu pela aula.” – a garota ria, dando duas tapinhas no braço de Uranus.

- Espero ter ajudado na matéria... – estendia-lhe a mão.

“Ora, ora, tem que me dizer como domar o vento Michiru. Quem sabe eu não consiga vencer a corrida da próxima vez?” – piscava, aceitando o cumprimento de Haruka, uma raridade a ser aproveitada.

Apesar da aparente despreocupação, Elza deixou a mansão pensativa. Não precisaria ser muito esperta para captar a situação que se formara. Sussurrando um “Michiru...” pegou um táxi numa esquina próxima, e desejou que tudo corresse bem.

Esperando Elza distanciar-se um pouco, Haruka fazia sinal de que qualquer problema ligasse para ela. Michiru entendera. Sorria, tentando tranqüilizar a parceira. Assim que esta atravessa os muros da mansão, sua expressão muda. Apertava os punhos. Era hora de entrar...e enfrentar.

“Vamos para a biblioteca.” – era incisiva.

Michiru a seguia. Sua mãe fechara a porta e em seguida se posicionara em frente à mesa.

- Foi totalmente... – começava a jovem – Desnecessário aquele interrogatório.

“Desnecessário? Nada mais do que justo, já que você anda escondendo tudo de mim, ultimamente.”

- E por que exatamente a senhora acha que não comento certos assuntos? Poderia me dizer, mamãe?

“Não vitimize a sua situação. Eu me recuso a acreditar no... que você está metida. Há quanto tempo isso vem acontecendo? Por quanto tempo achou que conseguiria me enganar, Michiru?!” – encarava-a.

- Eu não pretendia enganá-la. Iria contar tudo, se você não...agisse...do jeito que está agindo! – desabafava. 

“É verdade...vocês duas vêm combinando muito por telefone, não?” – revelava.

- Ouviu minhas conversas?!

“Apenas me dei o direito de saber com quem você estava andando. No dia que discutimos, liguei para o seu pai...ouvi a conversa por acaso. Estava pensando em apresentá-la? Acha mesmo que eu daria meu aval à...isso?!”

- O direito que você se deu nunca foi seu! – gritava. As lágrimas já escorriam pela face. Fitava a mãe. Sabia que a mesma mandaria diminuir o tom de voz. Ninguém gritava naquela casa, mas Michiru não seguiria mais aquelas regras.

“Não grite. Quando os convidados chegarem, você vai manter a compostura, ouviu?”

- Nisso a senhora é melhor do que eu...

“Não use de ironia comigo.”

- Ao invés de ouvir conversas ao telefone, por que não se concentra em mais um jantar? Que nós sabemos...a causa beneficente pouca importa.”

“Já estou farta de sua intransigência, Michiru! Você vai manchar a reputação do seu pai, a minha, da sua família por causa de uma... É inaceitável esse tipo de relacionamento!”

- Que “tipo”? Saiba que eu a am...

“Não complete. Isso se quiser continuar aqui.” – falava, taxativa.

- O...quê?

“Como pôde se envol...”

Neptune estava atônita com o que ouvira. Nem tanto pela menção de sua saída da casa e sim pelas últimas ofensas – pesadas e desnecessárias – Sim, ela esperava uma discussão, até expulsão, mas sua mãe pronunciava seu nome e o de Haruka com um misto de...ressentimento e...seria nojo? 

A mulher continuava a encher a boca de frases absurdas, o nome da parceira da jovem fora pronunciado e acompanhado de insultos. Ao fitar a imagem embaçada da mãe, questionava internamente o porquê de tanta...aversão ao seu relacionamento com Haruka. Suas lágrimas deixavam a figura da biblioteca turva, assim como a da mulher que a acusava. Esta apontava em direção à saída. O ultimato.

Kaioh Michiru limpou o rosto, fingindo calma, resquícios de sua criação. Saiu sem dizer nada... No jardim, o motorista ao vê-la correndo, tentou se pronunciar, mas cumpria ordens. Era pago para dirigir, não perguntar...

[...]

Eram nove horas da noite, quando um porteiro baixou o jornal ao ver um táxi parar em frente ao prédio. Do veículo, saiu um rosto familiar. Entretanto, antes que ele pudesse sorrir e cumprimentar percebera que a moça chorava. Não conseguia sequer dizer direito o número do apartamento.

“Senhorita?! Posso ajudar?” – abria a portão enquanto falava.

Baixinho, dissera o nome de quem procurava e se dirigiu ao elevador. Já no andar, apertou a campainha do apartamento duas vezes...ia apertar a terceira, mas a porta foi aberta com impaciência.

- Michiru?! O que...você está bem? O que houve?! – perguntava Haruka aflita, fazendo-a entrar.

- Ela me...expulsou de casa... – dizia com pesar, sentando no sofá.

- Como?! Finalmente conversou com ela? E seu pai? O que ele disse?

A loira parava ao notar a expressão da violinista...as perguntas ficariam para depois, no momento só abraçava a garota, sussurrando que tudo ficaria bem, mesmo sabendo que a cura não viria tão cedo. A velocista tirou-a do sofá e levou-a ao quarto. Alisou os cabelos da jovem e a viu encolher-se ainda mais na larga cama. Seu coração estava apertado, não suportava vê-la assim. Iria levantar-se para fazer um chá, mas sentiu a mão da garota puxando fracamente seu pijama.

- Apenas...fique aqui comigo, ‘Ruka... – aproximava-se, encostando a cabeça no colo da outra. Haruka acariciava-lhe a face para, em seguida deitar também e abraçar a jovem por trás.

- Você não está só Michiru... Eu vou cuidar de você... – apertava-a contra seu corpo. A outra garota suspirava, fechava os olhos deixando envolver-se num abraço. – Eu sei que... – ponderava – Parece não ter cura no momento, mas isso passa, acredite. O que posso oferecer, é minha companhia...e meu coração, bom, mas esse você já tem há tempos... – beijava-lhe o ombro e via a outra sorrir fracamente. Já era algo.

- Sinto como se estivesse no mar, à deriva... Eu...a assustei vindo aqui nesse estado...chorando, não?

- Infelizmente não pude protegê-la do que aconteceu hoje...eu não devia ter ido embora.

- Não se culpe. Ninguém poderia me ajudar...se você estivesse lá, creio que seria pior...meu ódio aumentaria se ela te insultasse mais...

Haruka pensou brevemente em que tipos de insultos a mulher tinha despejado. Suspirou. Provavelmente os de sempre... Abandonando seus devaneios, concentrava-se em formular palavras de conforto para sua violinista. Não se considerava tão apta para tal, mas tinha de tentar...

- Não pense assim...cultivar esse tipo de sentimento, é como se estivesse preparando seu próprio veneno... Já passou. Você está comigo agora, está segura... – a violinista virava lentamente a cabeça, fitando a outra garota, que sorria. Delicadamente a beija. Sempre surtia o efeito que esperava. Esquecia de tudo. Mãe, pai, concertos e até sua missão. Haruka realmente estava dando seu melhor para animá-la... Permitiria que o fizesse então.

- ‘Ruka...me faça esquecer de tudo hoje... – dizia procurando aconchego no corpo da outra jovem.

- Venha comigo... – levantava-se, para em seguida estender a mão à Neptune.

A Sailor dos Mares não pretendia realmente sair da cama, mas deixou-se levar por sua companheira. Uranus abriu uma porta. O ambiente estava escuro, mas a janela permitiu que a lua esculpisse uma silhueta conhecida por Michiru.
A velocista sentava e com um gesto leve da mão, pediu que a outra fizesse o mesmo. Em frente, o piano. Michiru sorria discretamente enquanto Haruka soprava a poeira das teclas...

- Amanhã...tentarei pegar algumas coisas que ficaram lá...em casa.

- Esqueça isso por hoje...amanhã é um novo dia... – fitava Michiru por um momento antes de dedilhar notas suaves. Sua amante percebeu que devia aproveitar aquele momento. Perfeito. Encostou a cabeça no ombro de Haruka e fechou os olhos, a música era magnífica. Timidamente, Uranus sussurrou os versos da canção...Neptune sorria. – E além disso, já está em casa... Okaeri, Michiru.


(continua)

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