quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Capítulo 10 - Laços

Capítulo 10 – Laços.

O sábado transcorrera sem maiores problemas. Claro, tirando o fato da discussão com a aluna, Makie, no Mugen. Sinceramente, estavam até um pouco acostumadas com esse tipo de situação; mas ser o pivô delas nunca era agradável. Os professores mantinham uma posição intrigante em relação às duas. Isso, quando sabiam que eram “duas”. Não que isso importasse tanto; “Tenoh-kun”, assim como “Kaioh-san” atraíam jovens ao colégio. Sim, o corpo docente era perspicaz. 

Haruka destacava-se no Mugen tanto quanto Michiru. Uma levava o nome do colégio entre corridas; fossem maratonas, fosse pilotando um carro de Fórmula 1. A outra, ascendia como uma excepcional violinista e pintora. É, o Mugen possuía adolescentes...interessantes. Com pais e contas bancárias mais interessantes ainda.

Pertencente a uma família tradicional, Michiru sentia-se pouco à vontade para falar-lhes sobre certas intimidades. Os quadros que adornavam as paredes, exibindo figuras de seus pais e antepassados, mostravam em seus rostos expressões imponentes e assustadoramente reais. Não era surpresa que ainda não tivesse conversado sobre ela e Haruka. Contudo, os pais da jovem começavam a se sentirem incomodados. A ausência da filha em jantares e outros eventos familiares tornaram-se freqüentes.

Longe dali, a culpada da ausência da jovem acabava de sair do cinema; acompanhada de sua violinista. Com o pequeno detalhe de que mal sabiam o nome do longa. Indicando duas coisas: um péssimo filme ou não tiveram tempo de assisti-lo. Considerando que a velocista discretamente limpava marcas de batom em seu rosto e pescoço, não é difícil escolher uma alternativa...

- Bom, aonde quer ir agora? – perguntava a loira enquanto colocava o braço em volta dos ombros da outra jovem.

- Hum... – apontava seu relógio – Infelizmente para casa. Passei muito tempo fora hoje... – sorri.

- Ah, gomen ne... eu te levo.

- Não se desculpe, eu adorei cada minuto – sorria – Quanto a me levar, não se preocupe, chamo um táxi. Até porque...se entrar naquele carro com você...não irei pra casa hoje novamente... – ria enquanto via a outra corar – Posso te ligar quando chegar?

- C-claro...

Não ligou. Ao chegar em casa, sua mãe a esperava e discutira com ela. Horas. Ficara sentada, ouvindo tudo que já sabia sobre o nome da família. De fato, ouvira-o tantas vezes durante a discussão que se perdera na contagem. Sua raiva cedia espaço à preocupação. Não costumava descumprir o que prometia, Haruka deveria estar louca. Foi aí, que se levantando, deixava o escritório sem encarar a mãe. Subiu as escadas. Não batera a porta do quarto, já tinha ousado demais. Saíra da presença da mãe enquanto a mesma falava.

Não se surpreendeu quando ouviu seu nome e cinco batidas na porta. Esperou que parassem. E pararam. Pegando o telefone com urgência, discava para Haruka, que, como pensava estava preocupada.

Alô, Haruka? Tive alguns problemas aqui, eu não lig”

Você está bem?” – a jovem Neptune podia ouvir o estalo da cadeira onde Haruka estava. A essa altura, já de pé.

Calma, eu estou bem, ‘Ruka. Não liguei assim que cheguei porque...tive que resolver uns assuntos aqui em casa...Perdão... por deixá-la preocupada.” 

Princesa... o que disse aos seus pais ontem? Disse onde ficaria? Ou melhor...com quem?” 

Disse que ficaria na casa de uma amiga... Não terei problemas com isso, mas... não vai durar muito...” – suspira – “Logo eu vou... ter que falar com eles...”

Esse..."logo" vai ser...? Gostaria que me dissesse, porque quero ir com você, se possível.”

Eu não sei... A minha família é extremamente conservadora, mas, por outro lado... irão me compreender...ou pelo menos me respeitar. Assim espero.”

Michiru...” – baixava a cabeça levemente, sem ter coragem de dizer que sentia que algo não sairia bem. Na verdade pressentia sobre o caso em questão e o final não era nada feliz – “Me fale quando você for...por favor?”

Ah... sabe, se você não se importar... eu acho melhor eu falar com eles sozinha primeiro. Pra que se acostumem com a idéia e... Bom, depois marcamos de vocês se conhecerem.”

Mas é que...” – pausava, resolvera não insistir – “Bom, você conhece os pais que tem...deixarei que cuide dessa "etapa".

Hai. Será complicado, mas vai ficar tudo bem.”

Eu confio em você.” – a loira deixava o tom de voz mais alegre, tentando disfarçar sua apreensão.

Arigatou.”

Michiru percebera que tinha algo errado com ela. Na verdade, não queria pensar muito naquilo, e sim acreditar em suas próprias palavras, de que tudo daria certo. Era sua família afinal, ela pensava. Acabariam compreendendo-a. Sabia que Haruka estava apreensiva, mas também resolvera deixar quieto, para não prolongar o assunto, tão delicado. Antes de se despedirem, marcaram um encontro para o dia seguinte, numa cafeteria. Para evitar possíveis discussões com sua mãe, Michiru pegaria um táxi; esperava que as coisas se acalmassem novamente. Sem os cem quilômetros por hora de sua velocista, o táxi no qual entrara chega um pouco atrasado ao local combinado. Ao adentrar no estabelecimento, via a jovem em uma mesa dos fundos, discretamente olhando para o relógio. Ao ver Michiru, acena para a garçonete, pedindo outro café.

- Desculpe-me pelo atraso... – dizia enquanto sentava e colocava sua bolsa na cadeira ao lado – Infelizmente não tenho uma desculpa tão criativa pra te dar... – sorria de leve – Meu táxi atrasou.

- Não precisa se desculpar, princesa. Mas... se morasse comigo não haveriam problemas de atraso – ria, sem esconder uma ponta de desejo de que aquilo ocorresse. Michiru fitou-a, com surpresa antes de falar.

- Às vezes gostaria de não pertencer aos...Kaioh. Ter mais liberdade, como você...

- Não diga isso... – desviava o olhar enquanto sorvia mais um gole da bebida.

- Por falar nisso, nunca me falou sobre...

- O seu café vai esfriar... 

Entendera o recado. Como sugerido, ela toma um gole da bebida, fingindo que a mesma não tinha se tornado um tanto...amarga. Haruka não queria contar sobre sua vida familiar. Se é que tivera uma. Em respeitoso silêncio, Michiru acariciava levemente uma das mãos da velocista, que sorria em agradecimento.

Internamente, a curiosidade da Sailor dos Mares não sumira. Questionava-se se deveria sentir-se tão mal por querer saber mais sobre Haruka.

Porém, remexer no passado era arriscado; talvez ela não estivesse totalmente curada; talvez nem quisesse se curar... Ou – pensava a violinista – talvez nem ache que precisa de ajuda. Interferiria?

- O que acha de tocar pra mim hoje, Michiru? Passamos na sua casa, você pega o violino e vamos até meu apartamento. Além disso, você me deve um concerto particular...

- A-ah, claro... – despertava do seu momentâneo transe, sorrindo.

- Bom, então vamos. Vou pedir a conta.

[...]

Já na casa da velocista – que preparava algo na cozinha – Michiru se dirige à varanda do apartamento. Calmo. Talvez até demais...mas quem ousaria blasfemar contra a calmaria? A Sailor dos Mares fecha os olhos e sentindo a mornidão do sol da tarde acariciar sua face, agradece por mais um dia ter o vento como amante.

Suspira. Distraidamente anda pela residência de Uranus, passando pela sala de piano, onde pára. De relance, vira o que parecia ser um porta-retratos. Cuidadosamente, ela adentra na sala. Suas mãos passeiam pelas paredes, tateando curiosamente o lugar...tentando sentir por meio de uma psicometria forçada, o passado da velocista.

Seus olhos fitam o porta-retratos caído. A poeira no local denunciava que, sua parceira, além de não exercer seus dotes como pianista por algum tempo, o retrato ali guardado poderia não lhe trazer boas lembranças. Devia olhar? Aliás, poderia olhar?

“Não. Mas... Não.”

Michiru tentava conter seu desejo: saber o máximo sobre Haruka. O tempo que estavam juntas era considerável, mas ainda sim, não possuía muita informação sobre aquela que amava. Desvira o objeto. Sopra a poeira. Quatro pessoas. 44, 3, 32 e 5. Supunha.

“O que faz aqui?” – perguntava o objeto de sua amadora e breve investigação. No susto, seus dedos pálidos – como sua face no momento – quase deixam o porta-retratos cair.

- E-eu...gomen Haruka, eu estava passando pela sala e vi...isto – mostrava o causador da curiosidade, para a garota.

- Ah...isso. – desviava o olhar, certamente não muito contente pela “descoberta” de Neptune – O lanche está pronto...lá na sala.

- Hai... – respondera, ainda constrangida pela situação.

Ao término do lanche, Haruka senta-se no sofá, esperando que Michiru iniciasse sua apresentação particular. A velocista parecia empolgada, sorria enquanto a garota posicionava o violino, encostando-o no queixo. O ritmo iniciado pela haste do instrumento era lento; algumas pausas e logo em seguida, o compasso era acelerado. Nunca ouvira tal música. Presenciava uma composição da violinista. Deslumbrava-se.

- Isso...foi incrível, Michiru! – aplaudia do sofá.

- Arigatou. Que bom que gostou...a fiz pensando em nós... – sorria, sentando-se ao lado de Uranus.

- Ora, que honra...princesa... – inclinava-se, para beijar a garota. Parava, ao sentir o dedo indicador da mesma em seus lábios. 

- Tocaria para mim agora? – perguntava-lhe sorrindo. 

- Eu já disse que estou enferrujada... 

- Ara...como posso convencê-la? – cruzava os braços, interpretando. Num jogo que Haruka quase sempre caía.

- Sofá, tapete ou cama? – ria com malícia, vendo a outra corar.

- Hum... É o tipo de escolha que lhe cabe mais... – resolvera entrar no novo joguete.

- Eu escolho os três se você permitir – ria – Primeiro um, depois o outro...

- Na dúvida, é melhor escolher os três mesmo. – piscava.

- Então comecemos pela primeira opção... – ria.

[...]

No quarto, o vento passeava livremente, constantemente incomodando as cortinas, que, não tendo alternativa agitavam-se delicadamente. As garotas, ainda deitadas, escutavam baixinho um dos cd’s de música instrumental, pertencentes à corredora. Esta descansava a cabeça sobre o ventre de Michiru, que lhe acariciava os cabelos. Fitando a paisagem que via da janela, Haruka quebrava o silêncio... “Ele...trabalha com jóias.” – desabafava.

Parando momentaneamente as carícias, a outra jovem perguntava: “Seu...pai?” – indagava hesitante.

- É. 

Neptune esboçava um sorriso e recomeçava as carícias. Uranus resolvera falar. Era tão pouco, mas tão significativo. Confiava nela afinal. Talvez pudesse se dar ao luxo de fazer mais perguntas.

- Hum...então vocês viviam bem, imagino – sorria.

- Digamos que em um restaurante, a linha tracejada que informava o preço, não interessava meu pai... – suspirava.

- E aquela senhora...na foto... – titubeia.

- Minha...madrasta... – completava.

- Bonita...

- Era viúva, como meu pai – revelava.

- Então...o garotinho da foto... – relembrava.

- Meu irmão. Irmão de criação, na verdade... – Uranus sorria de leve, falara sem tanto ressentimento na voz.

- Parece gostar dele, ‘Ruka – sorria, mexendo nos cabelos da outra.

- E...gosto. Mas entre nós havia muita disputa... No colégio eu o vencia em todos esportes. Ele destruiu alguns troféus que ganhei. Eu destruí parte de sua coleção de carrinhos. Era sempre assim, mas depois voltávamos a nos falar. Acho que eu...queria a atenção dela...no final das contas...

- Da...sua madrasta? – limitava-se a perguntar, com medo de feri-la.

- Acho que por ser a única mãe que conheci. Meu pai casou-se com ela, quando eu tinha três anos. A conheceu numa das lojas que trabalhava. Ela ia penhorar os anéis de casamento, bom, que viraram anéis de viúva. Passou maus bocados com o filho, depois que o marido morreu – e continuava – Achou conforto nos braços do meu pai, eu suponho. Financeiro, principalmente. No começo, eu realmente achei que ela estava apaixonada, era tão gentil conosco. Ainda me lembro do gosto dos biscoitos, que nos ofereceu em sua casa. O interesse pelo dinheiro do meu pai, ficou um pouco mais evidente quando se casaram. Ela empurrava o filho para seguir meu pai quando estava trabalhando. Com isso, o preparava gradativamente, para um dia assumir os negócios...

- Ela...te tratava mal? – perguntava Michiru receosa.

- Não exatamente. Mas eu sabia que não gostava de mim.

Haruka lembrara de um episódio que ocorrera no aniversário de sua madrasta. Seu pai havia dado – a ela e seu irmão – dinheiro suficiente para comprarem bons presentes. O motorista deixara-os em um grande shopping, onde comprariam o que desejassem. No final da tarde, hora da festa de sua mãe, desceram as escadas correndo, com embrulhos em mãos. O irmão foi o primeiro a parabenizar e dar-lhe o presente, seguido por Haruka.

A mulher, conseguira manter um sorriso igual para as duas crianças. A jovem não percebera diferença de tratamento. À noite, passara pelo quarto e vira pela fresta da porta, a senhora, habilmente quebrar o vaso que tinha lhe comprado. Não dissera nada ao pai, mas chorou sozinha no quarto. Não dormira naquela noite.

Sua madrasta era daquelas pessoas que dizia muito com o olhar. Haruka odiava quando a olhava, reprovando-a disfarçadamente. Preferia que gritasse, lhe batesse ou xingasse. Aquilo era torturante. No decorrer da conversa, a loira omitia alguns fatos à sua parceira, como o motivo pelo qual saiu de casa. A primeira namorada do irmão havia se apaixonado por ela. Tentou ao máximo evitar o acontecimento é verdade, mas foi muito cômodo para sua madrasta. No ensejo, sugeriu que fosse morar em outra casa. Orgulhosa e, ainda colérica, acatou a sugestão... Não tinha mais nada a fazer ali.

Depois das primeiras palavras, Uranus sentia-se um pouco mais à vontade, para confessar aquilo que tanto lhe custara guardar. Falava de sua vida, falava de sua família e a impressão que tinha dela. Neptune a ouvia pacientemente, e, extremamente feliz por sua parceira estar contando-lhe tais passagens. Sentia-se parte de sua história agora. E era.

(continua)

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