domingo, 15 de dezembro de 2013

Capítulo 25 - Quebra-cabeça (parte 3).

Capítulo 25 – Quebra-cabeça (parte 3).

Aquelas palavras afetaram Ishikawa muito mais do que admitiria. Todavia, ele fez o máximo para esconder. Perguntou a si mesmo se Makie percebera e simplesmente não se importava. Takeo suspirou, deixando os ombros caírem, dando a impressão de derrota. Talvez precisasse dessa hostilidade. Do confronto. De saber que acabara. Mesmo o desfecho sendo tão feio e inesperado.

- Veio para ouvir um “desculpe”? – ela suspirou profundamente e o encarou. Dessa vez parecendo um tanto arrependida pelo que havia falado. – Desculpe. Pronto, aí está. – ela disse desviando o olhar.

O rapaz sentou na borda da carteira e encarou um ponto invisível numa das janelas da sala.

- É tão tarde pra isso que já perdeu o valor, Ogawa-san. – disse ele.

Makie não sentiu hostilidade no tom de voz, e sim, uma mistura de divagação e cansaço.

- Sabe, percebi que nós nunca terminamos. Só nos...distanciamos. – falou novamente o rapaz. O olhar dessa vez abandonando a janela e fixando-se no chão.

- É verdade. – Makie respirou profundamente, como se estivesse reunindo coragem para continuar falando. – Mas eu não vou me desculpar por ter me apaixonado por ele, Ishikawa-san.

- Sei que não vai.

- Porém... – disse Makie levantando-se sem pressa para ir ao encontro de Takeo. – Quero pedir desculpas por não ter dado um ponto final no nosso...relacionamento.

A jovem esperou por qualquer reação de Ishikawa, mas ele apenas continuou olhando para o chão, como se as palavras batessem nele e se desintegrassem.

Takeo sentiu a ponta dos dedos de Makie tocarem seu braço esquerdo e todo seu corpo ficou dormente. Logo a dormência virou surpresa, raiva, e depois, estranhamente, uma espécie de conforto. Estava ali o desfecho que tanto desejara. Mesmo não obtendo todas as respostas almejadas e um pedido de desculpas um tanto torto e confuso, dera um final ao nebuloso relacionamento.

Ishikawa sentiu os dedos de Makie abandonarem seu braço e a escutou falar uma última vez, antes de ela sair:

- Talvez, um dia desses, eu dê um jeitinho de transformar minhas desculpas em algo útil para você, Ishikawa-kun.

Confuso, Takeo virou-se para perguntar-lhe “como”, mas a jovem atravessou a porta apressadamente, deixando-o sozinho e extremamente curioso.

[...]

Chegando novamente em casa, o rapaz entregou o molho à mãe, e, para ter certeza de que o irmão não ia incomodá-lo, fez um sanduíche reforçado para Ryuji, ligou a televisão e o deixou sentadinho no chão da sala.

Ishikawa entrou no quarto e fechou a porta, deslizando-a para o lado. Depois, sentou na cama e pegou a pasta de Michiru. Encarava o objeto quase como um pirata ao desenterrar um baú lotado de tesouros. Abriu com cuidado e tirou os itens, um por vez. Ficou desapontado com o que encontrou. Um estojo verde-escuro, um pacotinho de lencinhos umedecidos para o rosto, um batom com espelhinho na tampa, dois livros, o roteiro da peça e um caderno.

- Sério, Takeo, o que esperava encontrar na pasta dela? Fotos dela de maiô ou um diário? Na verdade, Kaioh carrega até bem menos coisas que as outras meninas da classe... – murmurou o rapaz.

O jovem tirou a tampa do batom e o cheirou, fechando os olhos por um momento. Não pôde evitar pensar que gosto teriam os lábios de Michiru misturados àquela fragrância do cosmético. Não era a primeira vez que fantasiava beijar a garota.

De repente, seu rosto exibiu uma expressão séria. Apesar de nunca ter presenciado, poderia apostar que Haruka já tinha provado dos lábios de Michiru inúmeras vezes.

“E aposto que de várias outras garotas, longe da vista de Kaioh.” – imaginou.

Irritado, o rapaz largou o objeto na cama e buscou por outro, dessa vez o caderno da colega.

Começou a folhear. Não demorou para que achasse o ato entediante...  Assim como o conteúdo encontrado.

Entretanto, passou mais algumas páginas e viu que Michiru além de usar várias canetas coloridas para destacar algum conteúdo, também fazia pequenos desenhos que funcionavam como anotações extras, melhorando seu entendimento.

Um pouco mais interessado, Takeo buscou por mais desenhos e achou vários. Alguns estavam mais bem feitos que outros, mas ele supôs que os mais simples eram desenhados durante a aula e não havia realmente tempo para algo mais trabalhado.

“Já os desenhos mais elaborados, ela deve ter feito em casa, durante a lição.” – concluiu o rapaz.

Takeo não conteve a risada quando viu o franzino e corcunda Professor Uchida representado como uma tartaruga, em uma das folhas da matéria de Física.

“Kaioh é talentosa. Nem precisou escrever o nome dele embaixo, eu reconheceria essa cara seca em qualquer lugar.”

Ainda na mesma matéria encontrou uma observação, quase no rodapé da folha com os dizeres: “Domingo – 14h (casa dela)”

Confuso, decidiu que a informação era pouquíssima para alguma suposição. Então, continuou apenas folheando.

Empolgado com sua exploração pelo caderno alheio, o garoto deitou na cama e dobrou o travesseiro para ter uma melhor visão enquanto folheava.
Seus olhos passearam por várias anotações espalhadas pelas matérias. Algumas triviais acompanhadas por setinhas vermelhas...

“Essa questão cai na prova!!!”

“Vale ponto!”

“Pode fazer em dupla.”

Já outras, encontravam-se na borda da página. Eram pequeninas e aleatórias, mas bem intrigantes.

“Parque?

“Playground?”

O garoto reparou que a palavra “Playground” havia sido riscada e “Parque” sublinhada.

Avançando pelas outras matérias, Takeo encontrou desenhos abstratos, ou talvez, ele não estivesse sabendo identificar. Olhando mais atentamente, viu o que parecia ser uma estrela, com várias e finíssimas pontas. Notou que esse desenho em particular se repetia vez ou outra pelo caderno.

Restavam poucas folhas e o rapaz franziu o cenho ao reparar um borrão no canto inferior de uma delas. A princípio, imaginou ser um acidente com a caneta esferográfica preta. Mas, uma olhada mais apurada fez com que arqueasse uma sobrancelha.

“Mas que merda é essa?” – pensou ele.

Não era um simples borrão. No centro da figura encontravam-se pequeninos, mas bizarros olhos e, as finas marcas de tinta escorrendo ao redor da imagem enegrecida, eram na verdade tentáculos.
Palavras miúdas acompanhavam o estranho desenho, e Takeo precisou aproximar o caderno do rosto para realmente conseguir ler.

Descobriu que eram duas perguntas...

“Padrão de hospedeiro?”

“Consciência?”

O rapaz pensou por um momento e largou o caderno ainda aberto sobre seu peito. Sabia que a colega adorava desenhar, embora tivesse ficado surpreso com o conteúdo sinistro encontrado há pouco. Várias vezes presenciara as criações de Michiru nas aulas de Arte com tema livre e em nenhuma delas mostrava algo tão grotesco.

- Ok...ela pode desenhar o que bem entender, mas são as anotações que me deixam mais curioso. – disse Takeo em voz alta, o olhar fixo no teto.

- Com quem tá falando, nii-chan?

Ishikawa sentou na cama de sobressalto, imerso demais nas próprias conjecturas para notar o deslizar da porta do quarto. Viu o irmão entrar no cômodo sem cerimônias e sentar ao pé da cama. Takeo revirou os olhos.

- Ryuji, quantas vezes eu já falei pra bater na porta antes de entrar?

O menino desviou o olhar por um momento, antes de encarar o irmão novamente com um sorriso no rosto.

- Hoje, nenhuma! – exclamou o menino parecendo muito contente consigo mesmo.

Takeo riu e bagunçou os cabelos de Ryuji com uma das mãos, decidindo não enxotar o garotinho do quarto.

Espreguiçando-se, o rapaz deu uma espiadela no despertador em cima da escrivaninha e se surpreendeu pelo tempo que havia passado examinando o caderno.

Duas horas e meia.

Pegando o caderno e em seguida os outros itens de Michiru, Ishikawa começou a guarda-los na pasta, ainda extremamente intrigado pelos desenhos e informações encontradas. Ryuji observou tudo em silêncio, antes de perguntar:

- O que estava fazendo, nii-chan?

Era uma boa pergunta. O que ele estava fazendo? O que pretendia ao examinar o caderno de Michiru? Ele poderia simplesmente ter deixado as pastas naquele beco e seguido para casa. Ou devolvido ao Mugen. Dava tempo. Entretanto, aquela sequência de eventos mais cedo no colégio tinha lhe intrigado. Talvez, se de agora em diante fosse mais observador, conseguisse descobrir algo...interessante.

“Informação é poder, não é?” – refletiu Takeo.

Com um sorriso no rosto, o rapaz sentiu sua energia se renovando. Parecia-lhe divertido levar sua pequena – e secreta – investigação adiante.

Era como se tivesse em mãos a primeira peça de um quebra-cabeça.
E um que ele mal podia esperar para ver montado.


(continua)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Capítulo 25 – Quebra-cabeça (parte 2).

Capítulo 25 – Quebra-cabeça (parte 2).

- Mãe, eu realmente preciso ir? – perguntou Ishikawa deixando sua frustração transparecer no tom de voz.

Ao voltar para casa, a mãe de Takeo o encontrou na cozinha e imediatamente encarregou-lhe de comprar molho para temperar o peixe que faria no jantar. Quando o jovem a questionou do por que ele ir e não Ryuji, a mulher retrucou despreocupadamente:

- Se Ryuji tiver feito o dever de casa, ele vai no seu lugar, Takeo. – sabendo exatamente qual seria a resposta, ela fez questão de perguntar assim mesmo. – E então, Ryuji?

O garotinho apenas balançou a cabeça negativamente e a mãe suspirou. Sem dizer nada, ela apontou para a mesa da sala e o menino se dirigiu para lá, arrastando os pés para mostrar todo o seu descontentamento. Ishikawa teria rido se não estivesse irritado por ter de sair de casa.

Sua mãe deu-lhe um sorriso e disse:

- Como pode ver, seu irmão já está ocupado.

- Droga... – murmurou.

- Sem resmungar, Takeo.

Frustrado por não estar em seu quarto escavacando os possíveis segredos de sua interessante colega, Ishikawa soltou um muxoxo após fechar a porta de casa. Apressando o passo, logo chegou em uma lojinha de conveniência e ficou feliz ao ver que só tinha um jovem casal sendo atendido.

Reparando nos discretos gestos afetuosos entre os dois, o garoto acabou pensando em sua própria situação amorosa. Questionou-se sobre suas reais chances com a violinista. Ela não o odiava, era cortês e até o convidara para assistir a um de seus concertos. Animou-se brevemente ao constatar que passaria mais tempo com ela quando os ensaios realmente começassem. E o melhor, sem a presença de Haruka.

“Seu cãozinho não vai estar lá pra rosnar quando eu me aproximar de você, Kaioh-san...”

Ele pensou por um momento em quão desagradável o Mugen Gakuen ficara desde a chegada de Tenoh Haruka. Ishikawa sentiu o peito queimar e inconscientemente folgou o nó da gravata, desconfortável com a sensação.

Lembrou-se de como estranhou ser ignorado por um mês inteiro quando Haruka foi transferida para o Mugen, já que se acostumara com a atenção recebida das meninas do colégio. Na época, ajudou estar em um discreto – mas promissor – relacionamento com uma colega do 1º Ano B, Ogawa Makie.

Ela costumava observá-lo durante os treinos de beisebol e vez ou outra oferecia-lhe uma latinha de chá gelado após o jogo. Takeo retribuía a gentileza colocando pequenos cartões com poemas variados pelas frestas do armário da colega. Descobrira o interesse de Makie por poesia – e por literatura em geral – nas conversas na biblioteca durante os intervalos. Também descobrira que namorar enquanto se escondia da bibliotecária era muitíssimo excitante.

Decidido a aproveitar ao máximo o relacionamento, Ishikawa propôs à garota que o mantivesse em segredo, evitando assim olhares curiosos e possíveis broncas de Izumida. Responsável também pelo treino do time de beisebol do colégio, o homem ficava atento a qualquer coisa que pudesse afetar o desempenho dos jogadores. Isso certamente incluía os namoricos, rotulando-os como desnecessárias distrações.

Porém, o relacionamento que parecia florescer, foi murchando nos meses seguintes com a chegada de Tenoh Haruka. O distanciamento de Makie ficava cada vez mais evidente.

As desculpas da garota eram várias e estapafúrdias. Takeo cansou de ouvi-las. Não havia mais dúvidas. Makie definitivamente estava caída por Haruka. Engolindo sua raiva e mágoa, o rapaz resolveu não confrontá-la. Custosamente, focou toda sua energia no beisebol. Suas frustações pareciam desaparecer a cada rebatida de bola.

Era bom.

Um dia, após um treino particularmente exaustivo, Ishikawa avistou Ogawa Makie grudada no braço de um rapaz. Takeo forçou a vista por um segundo na tentativa de descobrir quem era, mas aquele cabelo loiro ajudou a diluir qualquer confusão.

Se lidar com o desgosto de não vê-la mais doía, presenciar a garota agarrada com outro era insuportável. Makie e Haruka entraram na biblioteca e o jovem observou a cena de punhos cerrados, tentando decidir se iria atrás dos dois. Seus dentes trincaram de ódio ao imaginar o que estariam fazendo lá.   

Sacudindo a cabeça como se tentasse afugentar tais pensamentos, o rapaz se concentrou em outro que lhe era muito mais interessante: viu-se entrando no local e esmurrando Haruka, disposto a tirar-lhe o sorriso convencido que quase sempre mostrava na presença de garotas. O pensamento o fez sorrir maldosamente.

Sem pressa, ajeitou seu boné e puxou o taco de beisebol da mochila que sempre levava aos treinos. Não pretendia realmente usá-lo, entretanto, achou que o objeto intimidaria Haruka. Ele deu alguns passos, mas parou ao ver outra figura entrando na biblioteca.

“Aquela é...Kaioh-san?” – murmurou o rapaz.

Analisando a situação com rapidez, Takeo soltou uma risadinha. Sentiu parte de seu ódio esvair.

“Talvez ela pegue os dois no flagra... e eu nem precise mexer um só dedo.” – pensou ele, incapaz de impedir o sorriso enviesado. Batendo de leve e despreocupadamente o taco numa das mãos, o jovem se encostou na parede do grandioso prédio e apenas esperou.

Sua paciência finalmente foi recompensada quando ouviu passos apressados e uma figura saiu correndo da biblioteca. Contudo, não era quem ele esperava.

Esfregando compulsivamente os olhos, Makie chorava. Um pouco depois, viu Haruka sair do mesmo local, com um sorriso. Ao seu lado, Kaioh Michiru parecia igualmente feliz.

“Aquele maldito...” – pensou Ishikawa, inconscientemente trincando os dentes. – “Elas são só um passatempo pra ele. Cada uma delas.”

Observando a dupla caminhar, ele se concentrou na figura da violinista. Certamente, ela possuía uma beleza difícil de ignorar, contudo, era Makie quem lhe interessava. Passou a desfrutar imensamente de sua companhia.

Ishikawa simplesmente não entendia como ela tinha preferido aquele novato. Para Takeo, era revoltante vê-lo atirar para todos os lados quando o colégio inteiro comentava o quão íntimo ele parecia ser de Kaioh Michiru. Tomado por um amálgama de sentimentos, concluiu que era superior à Tenoh Haruka. Não, ele sabia que era. Queria confrontar Makie e fazê-la reconhecer o quão tola fora sua escolha.

Seguindo-a pelo colégio, viu a jovem esgueirar-se pela porta entreaberta da Sala de Música. Com cuidado, Takeo entrou e encontrou-a cabisbaixa sobre uma das carteiras. Seu coração doeu ao ouvir os soluços misturados ao choro.  Mas, ainda sufocado pelo ranço da mágoa, o rapaz simplesmente falou:

- Sabe, Ogawa-san... – disse com proposital formalidade, se esforçando para projetar uma voz seca. – Nunca me explicou realmente por que passou a me evitar.

Assustada, Makie levantou a cabeça e viu uma figura borrada. Enxugou os olhos e reconheceu o colega.

- T-Takeo-kun? O que faz aqui? – ela franziu o cenho, confusa. – Não importa. Não quero falar sobre isso, Takeo-kun. Deixe-me sozinha.

Ele, observando-a desviar o olhar, continuou:

- Pra quem vinha correndo louca pra me ver nos treinos, você soube me evitar realmente bem. – disse Ishikawa com desdém.

Makie fechou a cara e retrucou:

- Tive meus motivos.

- Motivos? São tantos assim? Creio que seja apenas um. – disse o rapaz não contendo uma risadinha zombeteira.

Entendendo finalmente aonde Takeo queria levar a conversa, a garota respondeu com firmeza:

- Talvez eu tivesse cansado de ver meu armário lotado dos poemas que você fingia entender.

Os dois se encararam por um momento, ambos machucados pelas farpas trocadas. Até que Makie quebrou o breve silêncio.

- O que quer que eu diga, Ishikawa-san? – falou ela em tom irritado.

- Saber o que é, afinal. O que ele tem.

- Não é da sua conta! – exclamou Makie, o rosto ainda avermelhado de chorar.

- É claro que é! – exclamou o rapaz. – De repente, você, como tantas outras garotas do Mugen, parece enfeitiçada por aquele novatozinho. – notando a expressão de reprovação se espalhar pelo rosto dela, ele completou. – Não seja patética, Ogawa-san. Você é boa demais pra Tenoh Haruka.

Ser chamada de patética fez a garota levantar e endireitar a postura, antes fixar seus olhos nos de Takeo.

- E pra você também. – respondeu ela, a voz seca quase rasgando sua garganta.


(continua)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Capítulo 25 – Quebra-cabeça (parte 1).

Capítulo 25 – Quebra-cabeça. (parte 1)

- Não pode ser... – disse Neptune olhando para o Aqua Mirror. – Deveria estar aqui, eu ainda sinto a presença. Está fraca, mas sinto.

A algumas quadras do Mugen, Uranus e Neptune investigavam uma ruela deserta. Parecendo mais um beco, ela exiba vários cubículos de madeira um ao lado do outro. Por sorte, ali só funcionavam pequenos bares, que só abriam à noite.

- Isso é muito estranho. – falou Uranus aproximando-se por trás da parceira, dando uma olhada no espelho dela. – O Aqua Mirror deu pra pegar peças agora? Está na hora de trocar a pilha dele, Neptune.

Por mais que Haruka soubesse o quanto Michiru se aborrecia ao ouvir piadinhas sobre seu espelho, às vezes ela simplesmente não podia evitar provocá-la. Aos olhos da corredora, o beicinho que a violinista se esforçava em esconder só a deixava mais fofa.

- O Aqua Mirror não é um brinquedo de lojinha para crianças, Uranus. Além disso, ele nunca falhou antes. – respondeu a outra friamente, sem tirar os olhos do objeto. – É como se a criatura estivesse nesse local, mas ainda não tivesse...despertado.

- Como se esperasse um hospedeiro?

- Exato. Deve estar em uma forma que ainda não conseguimos identificar.

- Mas o que podemos fazer? Não dá pra ficar aqui o dia todo. Sem contar que estamos em plena luz do dia vestidas...desse jeito. – comentou a loira puxando a borda da saia.

- Você tem razão. Voltaremos à noite, então.

- Que droga, hein? – resmungou Haruka cruzando os braços. – Como se eu não tivesse mais nada pra fazer nesse horário.

- A culpa não é minha se o demônio não pode ser agendado em seus compromissos. – Neptune retrucou seriamente, mas Uranus riu alto, achando graça do comentário.

Neptune vasculhou a área por uma última vez antes de voltar à sua forma habitual. Uranus a imitou e logo as duas estavam correndo de volta ao beco onde deixaram as pastas.

[...]

Takeo abriu a porta de casa com impaciência. Mal parando de andar para tirar os sapatos, quase caiu no processo. Não querendo ser visto pela mãe, o garoto pulou o costumeiro “Tadaima!” e adiantou-se para o seu quarto. Quando chegou no meio do corredor, uma figura pequena saltou do banheiro com um grito.

- Mas que susto, Ryuji! – exclamou Takeo largando as pastas no chão. O coração prestes a fazer um bungee jumping involuntário e saltar pela boca. As risadas do irmão só fizeram o susto se dissipar e dar lugar a uma crescente irritação.

Ryuji tinha sete anos e adorava o irmão mais velho. Frequentemente, ele inventava jeitos novos de assustar Takeo. Com um nível de paciência incomum para uma criança, ele era capaz de se esconder em qualquer cômodo por vários minutos e só sair quando avistasse o irmão. Se o plano envolvia a cozinha, o susto quase sempre resultava no lanche de Takeo esparramado no chão. E uma bela bronca, em seguida.

- Okaeri! – o menino cumprimentou animadamente e Takeo apenas balançou a cabeça em desaprovação, ainda irritado pelo susto. Enquanto se abaixava para pegar as pastas, ouviu o menino perguntar:

- Por que você tem duas pastas, nii-chan?

- Essa aqui é de uma amiga do colégio que acabou esquecendo de levar. Achei melhor trazer pra casa e devolver amanhã. É mais seguro. – respondeu o rapaz, optando por uma meia verdade. – Onde está mamãe?

- Na casa de Koyama-san.

Takeo suspirou profundamente. Quando a mãe estava na casa da vizinha, nem tão cedo voltava. O assunto entre as duas parecia ser infindável.

A ausência de sua mãe também significava ter de lidar com um pequeno, mas persistente problema: seu irmão menor.

Resolvendo ignorar o menino, o rapaz atravessou o corredor e Ryuji o seguiu, muitíssimo interessado em saber o que o irmão iria fazer. Notando os passinhos atrás de si, Takeo virou-se e fitou o garotinho.

- Por que está me seguindo, Ryuji?

- Ontem você prometeu que quando chegasse em casa, ia passar aquela fase de Super Mario World pra mim! – explicou o menino com tom aborrecido.

Ishikawa fechou os olhos por uns segundos, lembrando-se da tal promessa. Devia ter mais cuidado ao fazê-las a uma criança. Elas sempre cobram por elas.

- Escuta, Ryuji... – falou o rapaz calmamente, passando uma das mãos pelos cabelos do menino. – Agora eu não posso... – Ishikawa viu o desapontamento do irmão e logo tratou de acrescentar – Mas, se quiser, faço agora aquele sanduíche que tanto gosta. Certo?

O garotinho calou-se e considerou a proposta por um momento. Takeo segurou a risada. Aparentemente, era uma decisão difícil para ele.

- Certo. – respondeu Ryuji.

Deixando as pastas encostadas na parede do corredor, Takeo se dirigiu até a cozinha com o menino em sua cola. Previu aborrecimentos caso não fizesse a vontade do irmão naquele momento. Afinal, queria paz enquanto estivesse vasculhando a pasta de Michiru.

[...]

- N-Nós...fomos roubadas? – Michiru perguntou mais para si mesma do que para Haruka. O tom era de incredulidade.

As duas haviam chegado ao beco e vasculhado o contêiner à procura das pastas. A violinista ainda estava agachada, passando a mão por trás do objeto.

- Obrigado, humanidade. – disse a corredora em tom irônico olhando para o céu . – Acabamos de arriscar nossos traseiros pra te salvar e é assim que retribui?

- Você não parece muito preocupada com as nossas coisas, Haruka... – Michiru franziu o cenho, irritada.

- É claro que eu estou. – respondeu a outra cruzando os braços. – Por outro lado, e se uma pessoa decente viu nossas pastas e simplesmente devolveu ao Mugen?

Michiru colocou uma das mãos no queixo e ponderou, antes de falar:

- É, pode ser. Afinal as pastas possuem o emblema do colégio. Mas ainda fico muito desconfortável ao pensar que alguém pode estar com nossas coisas e não tem a intenção de devolver...

(continua)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Capítulo 24 – A Arte de Dissimular.

Capítulo 24 – A Arte de Dissimular

Ishikawa viu as duas atravessarem o portão e continuou seguindo-as. Estava achando muitíssimo divertido ver as expressões frustradas de Haruka para perder algum momento.

Subitamente, Haruka e Michiru pararam. O garoto também deteve os passos e fingiu mexer dentro da pasta preta que carregava, disfarçando. Levantando a cabeça discretamente, deu uma espiadela nelas. As duas trocaram olhares, mas não pareceram falar nada, embora suas expressões indicassem que estavam surpresas com alguma coisa.

“Por que pararam? Será que perceberam que estou seguindo? Vamos lá, Takeo, se perguntarem, você diz que estava indo pra casa do Ryou. É, é isso mesmo. Ryou mora nessa direção.” – o rapaz então suspirou de alívio quando Haruka remexeu na bolsa e tirou um objeto que ele não conseguiu identificar.

“O que é aquilo? Kaioh também tirou alguma coisa de sua pasta. Não dá pra ver direito, parece um...espelho? Mas o que... Hã? Por que estão correndo?” – pensou o jovem. Rapidamente as meninas atravessaram a rua em direção a um beco. Curioso, o garoto foi atrás.

Obstinado em segui-las, Takeo correu para a rua sem olhar para os lados, quando ouviu uma longa buzinada e o grito de um motorista de táxi. Assustado, o estudante recuou dois passos. Por pouco não fora atropelado.

Ainda um tanto desnorteado, Ishikawa olhou em volta e dessa vez atravessou a rua sem maiores problemas. Chegando ao beco, elas não estavam mais lá. Confuso, Takeo coçou a cabeça. Deu mais alguns passos e constatou algo intrigante: O beco era longo demais para as duas terem desaparecido.

Simplesmente não daria tempo de atravessá-lo e sumirem quando ele finalmente tinha as alcançado. Notou que os dois prédios separados por aquele vão não tinham varandas. As duas construções pertenciam a empresas e só havia janelas e várias caixas de proteção para condicionadores de ar. Takeo olhou para cima e pensou: “Ok, Tenoh é bem rápido, mas não a ponto de voar”. Estalou a língua entre os dentes e riu do pensamento idiota.

“Talvez toda aquela confusão pra atravessar a rua tenha afetado minha percepção, afinal.”

Quando resolveu dar meia volta e esquecer a estranha experiência, o rapaz notou algo de cor preta saindo detrás de um contêiner de lixo. Agachando-se, o jovem puxou o objeto pela ponta e arregalou os olhos. Era uma pasta preta de estudante, da mesma que possuía.

Ishikawa esticou o braço e tateou por trás do contêiner, procurando por mais alguma pasta. Sentiu a outra com a ponta dos dedos, mas não teve como puxá-la, ela estava posicionada exatamente no meio do recipiente. Desistindo, o garoto voltou sua atenção para o objeto que já segurava. Abriu, tirou um caderno e folheou as primeiras páginas.

“Nome do Colégio: Mugen. Nome do estudante: Kaioh Michiru” – leu o rapaz exibindo um largo sorriso. Michiru e Haruka realmente tinham passado por lá.

Ishikawa voltou a ficar sério por um momento e estudou a situação que encontrara:

“Será que sofreram um assalto? Mas...não faz sentido. O ladrão deveria ter levado isso aqui. E, se esse foi o caso, como os três desapareceram tão rápido?”

Sabendo da existência de um posto policial a duas quadras, o garoto pensou em comunicar o ocorrido.

Se é que algo havia ocorrido realmente.

“Não sei o que poderia dizer ao policial. As pastas não estavam simplesmente jogadas no chão...alguém definitivamente colocou nesse lugar.”

Levantando-se, Ishikawa saiu do beco com uma expressão resoluta. Colocou a pasta de Michiru debaixo do braço...e seguiu para casa.

[...]

Longe dali, um luxuoso carro preto entrou na residência dos Kaioh. O motorista, Katou, não estacionou na garagem como de costume. Fizera apenas a volta pela fonte na frente da mansão e parou, atendendo a um pedido de Atsuko.
Mais cedo, ele tinha vislumbrado a expressão frustrada da mulher quando ela saiu do Mugen Gakuen. Katou, gentilmente, perguntou enquanto dava uma espiadela pelo retrovisor: “Daqui deseja ir para casa, senhora?” E a mulher só meneou a cabeça, concordando.

Chegando em casa, Atsuko agradeceu brevemente Katou e fechou a porta do carro. Viu outra à frente se abrir, dessa vez da sua casa. Hanako, a mais nova das empregadas, recebeu-a com um sorriso.

- Bem-vinda de volta, senhora. – disse a jovem dando um passo para o lado, enquanto a mulher entrava. – Gostaria de um chá gelado? Morino-san acabou de tirar a jarra da geladeira. Ele disse que talvez a senhora quisesse um, estando o dia um tanto quente.

A voz de Hanako revelava uma empolgação da qual sentia falta e Atsuko não pôde evitar sorrir para a garota. Por um momento, sentiu um nó na garganta. Fisicamente, a jovem não lembrava em nada Michiru, mas possuía aquela vivacidade típica da adolescência. A mulher recordou como a expressão da filha sempre se iluminava ao mostrar sua mais nova pintura ou composição.

Ou do sorriso que mostrou ao apresentar aquela corredora...

Em um gesto quase imperceptível, Atsuko balançou a cabeça, como que tentando afugentar tais pensamentos.

- Boa tarde, Hanako. Vou aceitar o chá sim, obrigada. Poderia levar até o escritório?

- Certamente, senhora. – disse a garota sorridente fazendo uma breve reverência antes de dar meia volta e se dirigir até a cozinha.

Atsuko então caminhou até o escritório, que ficava no térreo da Mansão. Sentou na poltrona em frente à mesa e tirou o telefone do gancho. Discou alguns números e esperou impacientemente alguém atender. O pé já começava a bater no chão.

Ela então ouviu duas batidas na porta e deu permissão para que entrassem. Hanako posicionou a bandeja com o chá gelado na mesa, fez uma reverência e saiu, fechando a porta.

- Nakano-san? Sim, sou eu. Meu marido pode falar no momento? Sim, eu espero. Obrigada.

“E então? Como foi?” – disse a voz do outro lado da linha.

Ao ouvir a voz grave do marido, Hiromasa Kaioh, Atsuko se reclinou na poltrona e cruzou as pernas. Com o tempo aprendeu a apreciar o modo sem rodeios como o homem se expressava ao telefone.

- A verdade é que não sei dizer, Hiro. – respondeu Atsuko, os dedos massageando lentamente a têmpora.

“Pelo jeito a conversa não foi muito tranquila. Mas isso eu já devia esperar, em se tratando de vocês duas.” – apesar de o tom de voz do homem não ter sido repreensivo, a mulher percebeu certo desapontamento.

- Michiru sabe ser incrivelmente teimosa quando quer. – adiantou-se a mulher, parecendo se justificar.

“Claro que sabe. É sua filha também, afinal.” – a voz dele adquiriu um leve tom divertido e Atsuko revirou os olhos.

- Bem, fiz como combinamos. Disse a ela sobre a revista e que isso ajudaria a fechar um negócio. Disse também que você nem mesmo sabia da minha ida ao colégio para fazer esse pedido.

“Ótimo. Acha que conseguiu convencê-la?”

A mulher ficou em silêncio e tomou um gole do chá gelado, aproveitando para limpar a garganta. Lembrou-se do rumo que a conversa tinha tomado no colégio. Hiromasa entendeu a pausa como hesitação e logo perguntou:

“Atsuko, você não a obrigou a vir, obrigou?”

- Acabei fazendo isso. Usei meu tom de voz mais calmo e isso só pareceu deixá-la mais desconfortável. Então fui mais...assertiva e disse que o compromisso já estava marcado.

O homem suspirou longamente.

“Atsuko...”

- Deixe-me explicar. Nós dois sabemos que você não precisa da ajuda dessa revista para fechar negócio algum, certo?

“Certo. Embora uma exposição positiva da empresa seja sempre muito bem-vinda.”

- Mas ela não faz ideia disso. Ter dito que marquei o compromisso por ela dá a sensação dessa entrevista ser realmente importante para sua carreira.

“Entendo...” – ele fez uma pausa, parecendo considerar a explicação. – “Mas essa sua estratégia também pode sair pela culatra e só afastá-la.”

- Acredito que por você, ela pode até reconsiderar.

“Tenho certeza de que ela também sente a sua falta.”

- Acho difícil. Afinal, Michiru só pôde ver o meu desapontamento com ela naquele dia. Nunca viu o seu.

“Não precisa me falar o que já sei, Atsuko.”

- Sim, eu preciso. Minha decisão naquele dia foi certamente precipitada, mas eu vi o quanto ficou frustrado quando lhe contei sobre ela e aquela garota. Provavelmente, depois que telefonou para Michiru, você deixou a impressão de que está lidando muito bem com esse relacionamento, quando nós dois sabemos que não é bem assim.

Hiromasa ouviu tudo, sem interromper. Atsuko tomou mais um gole do chá. Sua boca insistia em ficar seca.

“Você tem razão quanto a isso, Atsuko.” – sua voz saiu com um fiozinho de cansaço, não era a primeira vez que tiveram aquela discussão. – “Contudo, nossa desaprovação não pode nos impedir de falar com a nossa única filha.”

A última afirmação veio como uma pancada no estômago de Atsuko. Às vezes detestava a sobriedade dos comentários do marido.

- Eu estou tentando lidar com tudo isso. Realmente estou. Do contrário eu não iria até o colégio colocar esse seu plano em prática.

“E eu agradeço por isso. Apenas...não seja tão orgulhosa.”

- E você tente não ser tão condescendente.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, lidando com o efeito das palavras trocadas. Em um silencioso e invisível acordo, decidiram adiar por hora a conversa.

“Atsuko, Nakano veio avisar que precisam de mim...”

- Sem problema, Hiro. – adiantou-se a mulher. – Bom trabalho.

“Obrigado. Conversamos mais tarde.”

- Certo.

Atsuko desligou o telefone e inclinou-se para frente, apoiando o queixo em uma das mãos. Pedaços da conversa com o marido ainda ecoavam em sua mente e, mesmo sentindo-se incomodada, admitiu que Hiromasa estava certo. Pelo menos em alguns pontos. Muito embora ela não tivesse o interesse imediato em confessar isso ao marido.

“Talvez eu realmente precise engolir meu orgulho...” – pensou a mulher, olhando distraidamente o gelo derreter no copo do chá.

(continua)